O verão estava condenado a assistir serenamente às notícias diárias sobre o combate à pandemia do coronavírus quando, repentinamente, irrompeu a discussão sobre a questão racial, as ameaças e o regresso do extremismo exacerbado.

Sem sabermos se estas questões estarão ou não ligadas diretamente às ameaças às deputadas do Bloco de Esquerda, a verdade é que são um ato gravíssimo, condenável sem dúvida alguma, atentatório do Estado de direito. A não condenação deste ato colocaria a democracia portuguesa num grau de gravíssima falência e põe em causa o direito à expressão de livre opinião.

Entrelaçado com esta situação – e tão condenável quanto aquela – surgiu uma manifestação de extrema-direita naquilo que foi chamado de Klu Klux Klan à portuguesa. Logo aproveitado por alguns para relançar a discussão sobre o extremismo, aventando a presença de supremacistas brancos no país, contraposto pelo radicalismo de outras organizações de cariz contrário, como o líder do SOS Racismo, menos interessado na integração social e  mais em exibir o ódio.

O debate ainda agora vai no início do seu percurso, mas a presença constante dos extremismos parece estar para durar. A esquerda, que sempre se arrogou o direito de ser superior, não tolera que exista uma direita organizada e assumida. Pela primeira vez, esta diz em direto o que pensava em surdina durante décadas.

Extremadas as pontas do sistema político, pouco parece restar para ser ouvido. Os partidos do centro – outrora os partidos do sistema, ditos do arco da governação – mostram-se incapazes de reagir com vigor. Uns governam sem objetividade, não despertando entusiasmo ou adesão sentida. E quem diz ambicionar substituí-los, não apresenta alternativa sustentável ou sequer configurável, aguardando, de braços cruzados, pelo cansaço dos eleitores, e, no intervalo, entretém-se a não obstaculizar a governação e a prestar credibilidade a uma direita que ainda ontem questionava.

Nenhum dos partidos atualmente com representação parlamentar se mostra capaz de galvanizar os portugueses, perante a falta de um projeto que mostre uma via de futuro. Não obstante as declarações fulgurantes de alguns, logo engolidos pelo sistema, parece não haver quem queira despertar a esperança antes perspetivando resignação.

A falta de perspetivas não permite perder tempo a discutir ódio e a viabilizar os extremismos em discussões estéreis e sem objetividade. Se dispusermos de projetos e alternativas que possamos discutir publicamente não teremos oportunidade, nem vontade, de relevar o que não faz parte da nossa estrutura social.

As prioridades não podem ser baralhadas. A discussão sobre a festa do Avante nunca poderá estar ao nível das mortes em lares ou da indefinição do início do ano letivo. É pois fundamental que nos dediquemos à crise sanitária, que não pode ser banalizada, nem os cuidados reduzidos.

Olhando para essa Europa fora, face ao recrudescer de infeções, à eventual segunda vaga e persistência do vírus durante o inverno, acima de tudo não podemos deixar-nos contaminar por discussões que subvertem a racionalidade.