Caso o PSD e outros partidos venham a apoiar a proposta da Iniciativa Liberal (IL) de criar uma nova comissão parlamentar de inquérito, à semelhança do que está a acontecer com a TAP, esta dirigida à atuação dos Serviços de Informações, em particular do SIS, algo de muito parecido ao Watergate poderá acontecer em Portugal.

Em toda esta história há algo que não bate certo com aquilo que tem vindo a público, por parte dos vários intervenientes no caso Galamba, e ‘um aquilo’ que poderá ser algo muito maior. Passo a explicar.

A conduta do primeiro-ministro António Costa neste caso é surreal, porque fora do normal. Costa é conhecido por ser um político frio, cuidadoso e inteligente. Neste caso foi temerário e revelou – ao contrário do que dizem a maior parte dos comentadores – várias fragilidades.

O suposto braço de ferro com o Presidente da República (PR) Marcelo Rebelo de Sousa era aquilo que Costa que todos conhecemos nunca iria promover, salvo se algo muito maior estivesse para acontecer. Costa sempre respeitou as funções e atribuições do PR, conhece como ninguém o princípio da separação de poderes e é um promotor das boas relações institucionais, mas, neste caso, destoou por algum motivo.

Costa nunca morreu de amores pelo agora ainda ministro João Galamba, tal como não morria de amores por Pedro Nuno Santos, que foi meramente instrumental para a criação da geringonça em 2015. Ao invés disso, Costa recuperou politicamente Fernando Medina, após o colapso nas eleições da Câmara de Lisboa, e hoje é ministro das Finanças e seu herdeiro político.

Há quem diga que a permanência de Galamba significa manter o equilíbrio das fações em guerra dentro do PS para a sua sucessão. Não acredito nisso. Costa quererá, no máximo, ficar como PM e precisa disso até 2024 para ter francas hipóteses de poder ser presidente do Conselho Europeu.

Nunca como agora teve Costa hipótese de arrumar os militantes da esquerda do PS e deixar o caminho aberto a Medina. Em vez disso, Galamba fica no Governo, liderando extremamente fragilizado, e liderando dossiês relevantes para o país, como a privatização da TAP e a escolha do novo aeroporto de Lisboa.

A questão é esta: o que está, ou estaria, de tão relevante no computador do adjunto Frederico Pinheiro, para permitir a alteração de todas as regras em matéria de segurança e para ativar os Serviços Secretos? Os Serviços de Informações da República não podem ser – e não deverão ser – instrumentalizados por lógicas governamentais ou partidárias, pois, como o nome diz, estão ao serviço da República, ou seja, de todos nós.

A proposta da IL pode trazer uma comissão de inquérito ainda mais explosiva do que a comissão de inquérito da TAP, colocando a nu quem, do Ministério das Infraestruturas, com a autorização do ministro, ligou para os serviços, quem autorizou no gabinete do PM (que tem a tutela), e por que razão a secretária-geral do SIRP, a embaixadora Graça Mira Gomes, deu a ordem final para uma atuação que é, a todos os títulos, ilegítima, senão ilegal.

Daqui retiramos também algumas conclusões em que o Estado não deve ter pessoas fora das suas competências no exercício de certos cargos, como tem sido habitual nos últimos anos, ao colocarem-se embaixadores e outros diplomatas à frente de Serviços de Informações, gabinetes ministeriais, chefia de gabinete do PM e até na Presidência da República, em lugares não diplomáticos.

Outra lição a retirar deste caso é que depois da morte de Vasco Pulido Valente e de Victor da Cunha Rego, poucos são os verdadeiros comentadores que fazem análise política. O que vemos nas televisões, a qualquer hora e em prime time, são comentadores que falam de estados de espírito, emoções, suposições e nunca de política, de estratégia e de futuro. São analistas comportamentais e não analistas políticos.