Para declaração de interesses, deixo a informação aos leitores de que sou o sócio 3689-0 do Sporting Clube de Portugal e o amigo da Cinemateca número 1130, carreira profissional de 25 anos no jornalismo e comunicação e cadastro imaculado. Ao longe, acompanhei a enorme celeuma criada pela proposta do PSD de obrigar políticos a declarar ligações a diversas associações e que escandalizou a Maçonaria, Opus Dei e outras confrarias de vocação dita secreta.

Há um mês, uma das melhores bandas electrónicas, os Daft Punk, pôs termo a um percurso de 28 anos. Para lá da qualidade e popularidade, um dos segredos do seu sucesso foi terem gerido a sua marca e aparições no espaço público com enorme secretismo. Porém, eram músicos e essa decisão apenas uma estratégia de comunicação, não pavimentaram o seu caminho em cerimónias rituais ou cumplicidades por debaixo do pano.

Por falar em música, já cantava Ney Matogrosso: “o que a gente faz/é debaixo do pano/prá ninguém saber”. Ora, se há valor que emerge como essencial na percepção das pessoas é o da transparência e nas sociedades modernas já é impossível coabitarem organizações opacas fundadas em possíveis fraternidades que, em muitos casos, se tornaram divergentes da matriz original.

Não é uma questão de “voyeurismo” ou de “violação da privacidade” da parte do legislador como clamaram as virgens ofendidas. Aliás, a privacidade anda pelas horas da morte, que o digam as diversas redes sociais, e até matérias “top secret” estão ao alcance de qualquer hacker. Por isso, todas as nebulosas constituem um campo minado e as sombras emprestam margens de dúvida e desconfiança para uma comunidade farta de suspeitas de corrupção e tráfico de influências, tudo por debaixo do pano.

É que hoje certas associações não são ninhos de predicados, congregações de respeitabilidade nem faculdades de virtude ou pureza. São, sim, a teia onde algumas nulidades e inutilidades tecem o seu destino, apenas com o fito de singrarem na vida política e empresarial, obtendo cargos e prebendas solidificadas entre apertos de mão com toque especial ou novenas agarradas a terços e que pouco têm a ver com espiritualidade ou moralidade.

Escrevia Karl Kraus nos “Aforismos” (página 51, edição VS): “não há dúvida que o cão é fiel. Mas seria isso um motivo suficiente para seguirmos o seu exemplo? Afinal é fiel ao homem e não ao cão”. Que custo têm essas obediências, como navegam as decisões de carácter público quando há favores e ligações que impõem uma submissão a algo ou alguém? Quem é o homem e quem é o cão? Quanto se paga por estas fidelidades?

Eu que não uso avental nem cilício, fico sem perceber o motivo de pessoas que têm orgulho em pertencer a estas associações, depois serem tímidos ou envergonhados em as assumir publicamente. Não é tudo puro e fraterno o que por lá se passa? Se não têm mácula, não vivam escondidos, na obscuridade de secretismos, como se fossem pecadores. Não tenham medo da transparência.