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Nazaré: Como o surf está a acelerar a economia de uma vila de pescadores

Primeiro foi Garreth McNamara na ribalta. Agora, o português Hugo Vau pode retirar-lhe o ceptro de ‘rei’ da maior onda do mundo. O ponto de contacto é o ‘canhão’ da Nazaré, na Praia do Norte. A exposição mediática dada pelo surf das ondas gigantes revolucionou uma vila com pouco mais de 15 mil habitantes no início da década. Agora recebe mais de um milhão de turistas por ano e os investimentos sucedem-se.
  • Rafael Marchante/Reuters
3 Fevereiro 2018, 11h00

Na passada quarta-feira, 17 de janeiro, o surfista Hugo Vau poderá ter conseguido deslizar no dorso da ‘Big Mamma’, termo carinhoso que os praticantes da modalidade usam para designar a maior onda, a que os inscreve na lista de recordes mundiais. Lista onde está desde 2011 Garrett McNamara. Além da paixão pelo surf, outra coisa que une o recorde de McNamara ao potencial novo máximo de Hugo Vau é a Praia do Norte, fornecedora das já mundialmente conhecidas ‘ondas gigantes da Nazaré’.

“Na semana passada, quando tivemos o pico, a 17 e 18 de janeiro, por causa da projeção mediática das ondas gigantes, o retorno de comunicação rondou os dois milhões de euros. E no fim-de-semana passado fomos invadidos por milhares e milhares de turistas e tivemos grandes problemas de congestionamento de trânsito”, revela Walter Chicharro, presidente da Câmara Municipal da Nazaré, em declarações ao Jornal Económico.

Por isso, a Nazaré está a passar por uma transformação radical, com um acréscimo de negócios e investimentos em diversas áreas de atividade, associados a um fluxo turístico sem precedentes, que já deve ultrapassar um milhão de forasteiros por ano, quando a vila mal chegava aos 15 mil habitantes em 2011, segundo o recenseamento da altura. E como o dinheiro atrai dinheiro, as grandes multinacionais e empresas nacionais de diversos setores não tardaram em aparecer.

Mercedes, Prio e Hugo Vau na ‘Energia do surf’; EDP no ‘Mar sem fim’

A Mercedes e a Prio são exemplos. Associaram-se numa parceria, precisamente ao surfista Hugo Vau, num projeto designado ‘A energia do surf’. Visa apoiar os atletas de todo o Mundo que demandam as ondas gigantes da Nazaré, além de ter como objetivo produzir pranchas de elevada performance e apoiar toda a estrutura de suporte aos surfistas, desde o abastecimento das motas de água que os transportam para as ondas gigantes até ao fornecimento de equipamentos de segurança, combustíveis (incluindo gás), veículos, etc.

A 22 de dezembro, o mar na Nazaré estava macio, sem ondas de destaque. Mas Hugo Vau estava confiante que a sua hora, de apanhar a big one, iria chegar. Se não foi desta irá continuar a tentar na Praia do Norte, até conseguir tirar do ‘canhão’ o que ele tem. Mais que atingir o recorde, Hugo Vau, há dez anos a palmilhar as ondas da Nazaré, está confortável com esta parceria. “Neste momento, temos um dispositivo de segurança que já provámos que resulta. Temos duas motos de água [Mercedes, claro] para cada surfista no mar, para tentar maximizar a segurança de todos. Por a minha equipa ser a mais antiga, tenho a responsabilidade moral de evitar que haja aqui acidentes graves e a responsabilidade de receber bem quem nos visita para surfar nestas ondas”, assume Hugo Vau, em declarações ao Jornal Económico. Na vertente de segurança, o projeto esteve vários anos em testes, só tendo arrancado em outubro passado, quando começa a ‘época das ondas gigantes’ da Nazaré. Na componente de suporte aos atletas, a parceria construiu dois espaços: um para descanso e relaxamento dos surfistas, assim como para guarda de material e equipamentos; e um lounge para a realização de eventos. Outra vertente do projeto passou pelo design das próprias pranchas de surf.

“A Mercedes gosta de estar associada a eventos geradores de audiência, que ainda por cima é transversal a todas as idades, como é o caso do surf. O surf é um desporto muito mais de futuro, mais participativo, não tem a ver com classes sociais, como o golfe, é mais inclusivo, tem a ver coma Natureza, com um conceito de levar a vida de uma forma descontraída”, explica Jorge Aguiar, diretor de marketing da Mercedes em Portugal. Este responsável acrescenta que, por exemplo, um evento da WSL – World Surf League, o campeonato mundial de surf, uma prova como a que é efetuada todos os anos em Peniche leva 80 mil pessoas à praia. Por comparação, um jogo de futebol da Primeira Liga em Portugal, tem, em média, entre 12 e 13 mil espetadores. “Em termos de transmissões de livestreaming ou de broadcasting, o surf tem uma audiência neste momento muito superior à Fórmula 1”, revela este responsável da Mercedes, uma das principais concorrentes daquela prova automóvel.

Temos as ondas gigantes e o gosto por surfar e bater recordes, temos a atração pelas grandes audiências. Só nos falta o gosto pela sustentabilidade e a eficiência energética. Esta terceira face da parceria é-nos dada pela Prio, uma distribuidora nacional de combustíveis com especial foco nas alternativas aos fósseis. “A onda gigante da Nazaré pode comparar-se ao Evereste no mundo do mar. A Nazaré passou a ser um spot de referência mundial. O mar é um setor de futuro, o surf é um desporto de futuro. Este é um dos vetores da economia do mar e do futuro deste País, que queremos ajudar a construir – este é o primeiro sonho”, confessa Emanuel Proença, administrador da Prio. Este responsável acrescenta que outros dois sonhos são “contar a história dos heróis humildes portugueses, que não tiveram tanto mediatismo como os surfistas internacionais” e “ver o Hugo Vau bater o recorde do Mundo”.

Também a EDP já ‘descobriu’ a Nazaré. Há quatro temporadas que tem em marcha o projeto ‘Mar sem fim’, tendo envolvido 17 surfistas através de prémios, bolsas e participação em expedições, com a liderança de João de Macedo, o único surfista português a integrar a elite do ‘Big Wave Tour’, o circuito internacional das ondas gigantes. Desde 2016, também no porto de abrigo da Nazaré, a EDP disponibiliza um hangar com 100 metros quadrados e capacidade para acolher 14 surfistas, motas de água e cerca de 50 pranchas.

Impacto a sério só a partir de 2014

A seguir a estas, outras empresas serão atraídas pelo novo apelo da Nazaré. Mas nem sempre foi assim. Mesmo já depois de ter deixado para trás o seu passado de vila quase exclusivamente piscatória, quando McNamara, o ‘canhão e as ondas gigantes andavam nas bocas do Mundo, a Nazaré beneficiou pouco no início.
“O impacto direto das ondas gigantes na economia da Nazaré só começou a aparecer aqui na terra a partir de 2014 e 2015, quando nos começam a surgir propostas de projetos de hotelaria e de novos negócios”, admite Walter Chicharro. O autarca não tem dados muito precisos sobre o acréscimo de receitas de turistas, ou de investimento, mas sublinha que a afluência de visitantes ao Forte de São Miguel Arcanjo, também conhecido como Farol da Nazaré, passou de 80 mil em 2015 para 174 mil visitantes no ano passado.

Quanto ao ascensor, passou de 630 mil passageiros em 2013 para quase 950 mil em 2017 no ano passado. É também este indicador que permite extrapolar para um número de turistas superior a um milhão de euros já no ano passado na Nazaré, uma vez que este meio – o transporte por cabo mais procurado em Portugal, superando os elevadores de Santa Justa, em Lisboa, ou o funicular dos Guindais, no Porto – é pouco utilizado pelos locais.

Walter Chicharro apresenta outros sinais evidentes do afluxo de gente e de recursos à Nazaré. Licenciamentos urbanísticos a disparar, com algumas licenças cobradas pela Câmara da Nazaré a chegarem aos 150 mil euros. Licenças para projetos hoteleiros – uma unidade de cinco estrelas deverá começar a ser construída no centro da vila ainda este ano – mas também para residências de particulares, com destaque para os estrangeiros. Crescimento consecutivo do imposto de derrama, alguns anos a uma taxa anual de 100%. Faturação de 300 mil euros da empresa municipal Nazaré Qualifica em 2017, não só proveniente da entrada no Farol, mas também do merchandising da marca comercial ‘Praia do Norte’, registada pela autarquia da Nazaré. O reforço das equipas municipais de água, saneamento e limpeza de resíduos sólidos urbanos, em trabalhadores e em turnos de funcionamento.

Segundo Walter Chicharro, o futuro passa pela realização de ventos provas desportivas diversas(torneios europeus e mundiais de body board, futebol e andebol de praia) e eventos culturais e artísticos, assim como pela captação de empresas de diversos setores, da indústria ao agroalimentar, passando pelos moldes, no parque empresarial de Valado de Frades, cuja área já está comprada em 70%.

“Passámos de uma Nazaré que trabalhava cerca de três meses por ano, no verão, com mais dois picos, na Páscoa e no final do ano, para uma Nazaré que se transformou, e que agora trabalha 10 a 11 meses por ano, quase sempre em ritmo de época alta. Temos um inverno mais cheio, com taxas de ocupação da hotelaria muito elevadas, mas também o nosso verão passou a ser muito mais cheio”, resume o presidente da Câmara Municipal da Nazaré, uma terra que está sempre em maré cheia nos tempos que correm.

Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão

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