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No reino da Covid-19, são os estímulos que mandam nos mercados

As “bazukas” dos bancos centrais alimentou a recuperação no segundo trimestre, que quase permitiu tapar a hecatombe do primeiro. Ações estão caras, dizem analistas, mas China e ESG mostram potencial.
18 Julho 2020, 19h00

Quando se fala de tendências para os mercados financeiros durante o segundo semestre de 2020 e para o ano de 2021 não podemos fugir à história recente. Analistas e investidores de mercados são unânimes na abordagem. O futuro é incerto, até porque todos esperam uma segunda vaga da pandemia, mas sabem que as “bazukas” dos bancos centrais são um poço sem fundo. As ações convergem como a classe de ativos mais interessante. A gestora Fidelity afirma ao Jornal Económico (JE) que está a “ selecionar cuidadosamente” os títulos que escolhe e frisa que o choque da Covid-19 testou as cadeias de logística nos cuidados médicos e farmacêuticos, e ainda a logística alimentar e de infraestruturas tecnológicas. Adianta que estes são setores que no futuro irão ser tratados como áreas de “segurança nacional”.

As ações são as preferidas da gestora Schroders e da Blackrock, do economista-chefe do BCP, José Brandão de Brito, ou do analista da ActivTrades, Abílio Remondes. O investimento sustentável, tal como a demografia são temas de investimento e, por isso, a Fidelity acredita que a Ásia “com a normalização mais rápida e populações jovens oferece algumas das melhores oportunidades de crescimento a longo prazo, principalmente em seguros e assistência médica”.

A China tem as empresas que mais irão subir nos próximos anos, sublinha. O país terá um Produto Interno Bruto (PIB) já em 2021 acima do de 2019 e depois da contração deste ano irá recuperar dentro de um nível acima daquilo que foram as perdas. Todos os países com influência da China terão este benefício, o que explica o interesse por ações dos mercados asiáticos e da região do Pacífico, sem esquecer as ações de outros mercados emergentes. Dizem os analistas da Fidelity que “a China e outros países do Extremo Oriente foram, sem dúvida, os primeiros a entrar e os primeiros a sair dos bloqueios”. Adianta que um survey da gestora realizado em junho concluiu que a China lidera a recuperação com uma espera de apenas seis meses para que os negócios atinjam a estabilidade. Naquele país a liderança setorial é do imobiliário, com o Estado a investir fortemente em infraestruturas, enquanto cresce a produção industrial.

Carla Bergareche, a diretora geral da Schroders Portugal e Espanha, diz que as ações chinesas “mantiveram um comportamento superior ao da maioria dos outros mercados de ações globais no acumulado do ano”. Acrescenta que as ações dos mercados de Xangai e Shenzen (ações A) “oferecem oportunidades atrativas para investidores que procurem um posicionamento estratégico nos seus portfólios”.

Os produtos financeiros refletem o estado da economia e os estímulos que são criados à sua volta. O investimento em dívida pública não poderá ter expetativas positivas porque as taxas de juro estão baixas e o custo de oportunidade investir em ativos sem risco é negativo. A dívida emergente é atrativam embora com riscos de defaults. O mais recente estudo da seguradora Crédito Y Caución sobre a Argentina, por exemplo, antecipa um possível incumprimento desordenado de uma dívida pública equivalente a 65 mil milhões de euros. No entanto, os spreads para este tipo de dívida são elevados, o que é uma atração.

A Schroders diz que “nos mercados emergentes o crédito soberano já não é tão atraente, com base nos preços e na deterioração contínua da qualidade do crédito de alguns players com classificação inferior”. No entanto, frisa que está positiva sobre o crédito emergente, tanto em moeda local como em dólares.

A Fidelity salienta o facto de os bancos centrais estarem a comprar dívida para apoiar o crescimento nas respetivas regiões e esse “foi a grande mudança nas suas políticas e que oferece o conforto necessário como apoio para os detentores de títulos no momento em que os governos aumentam os seus défices. De realçar pela Fidelity o facto de a acontecer um cenário com um dólar fraco serão os países emergentes que têm dívida denominada em US dólares a saírem mais beneficiados.

 

ESG brilham
Mas se há quem acredite em valorizações, José Brandão de Brito, do Millennium bcp, acredita antes numa correção a acontecer este ano, sobretudo no mercado dos EUA. Em contraste, a Europa poderá continuar a assistir a um sobredesempenho, embora num contexto de correção, refletindo as expetativas dos bancos centrais que continuam a estimular a economia.

A recessão, acrescenta, “terá impacto na confiança e no otimismo e mais tarde ou mais cedo chegará aos mercados financeiros. O risco está muito presente. Uma opinião semelhante vem de Abílio Remondes, analista da corretora britânica ActivTrades, que separa dois períodos: até às eleições americanas de outubro e no pós-eleições. Até outubro a Reserva Federal irá continuar a injetar liquidez, ou seja a estimular a economia e os mercados “e até lá os mercados (americanos) estarão sempre em alta” e com momentos de estagnação como aquele que está a acontecer agora no início do verão. Uma visão mais apurada “só acontecerá no último trimestre”.

Entre os títulos mais interessantes, este operador acredita nas ações americanas, “já que as ações europeias refletem a incerteza dos apoios à economia da UE e os números lançados esta semana em relação ao crescimento para 2020 e 2021 não foram nada animadores para os dois motores da economia europeia.

“Como é que a União Europeia vai suportar a economia no seu conjunto?”, questiona. Para esta fonte da ActivTrades, a melhor aposta do momento é nas ações de energia e as tecnológicas ligadas às respostas perante o novo paradigma do trabalho. Outra aposta, tanto de Abílio Remondes como de Brandão de Brito é o ouro. Esta commodity tem uma forte procura e o preço vai aumentar e a única incerteza acontecerá em situações de países em default e vários países da América Latina estão em dificuldades. O que se espera é que as reservas de ouro desses países sejam acionadas para cobrir os incumprimentos e das duas uma: ou o ouro físico muda de titularidade e nada acontece de extraordinário – o preço do metal irá subir e colocar-se-á como refúgio – ou vai ao mercado para ser transacionado e o preço médio baixa. Um outro instrumento de refúgio perante a instabilidade é a dívida pública americana, reforça Brandão Rodrigues.

Por enquanto, temos volatilidade que foi mais pronunciada no primeiro trimestre. Vários analistas sustentam ainda a forte procura de ações no domínio da mobilidade elétrica e no consumo, destacando-se títulos em forte alta como a Tesla, ou ações como a NKLA, uma companhia que ainda não produziu qualquer camião híbrido mas cujo market cap é superior ao da Ford. E ainda o setor da exploração espacial e o exemplo mais interessante é a SPCE (Virgin Galactic).

Um outro driver de investimento é a sustentabilidade. Carla Bergareche, da Schroders Portugal e Espanha, frisa que o tema é mais interessante do que nunca. “Era uma tendência incontornável que foi agora acelerada”, vinca, adiantando que “o compromisso político não mudou, foi até reforçado com um conjunto de medidas de estímulo à implementação de iniciativas verdes e amigas do ambiente”, diz.

“Enquanto pessoas mudámos individualmente alguns hábitos, como trabalhar a partir de casa ou optar por reuniões virtuais em vez de viagens de negócio, e estas mudanças irão permanecer”. Carla Bergareche frisa ainda que as ações com melhores pontuações ESG (sigla em inglês para critérios ambientais, sociais e de governança), geralmente, um melhor desempenho do que aquelas com pontuações mais baixas, provando assim que, “mesmo em tempos extraordinários, ser sustentável vale a pena”.

A gestora de ativos BlackRock tem feito uma forte promoção em fundos ETF assentes em ESG. O leque de produtos ESG permite chegar a categorias de ativos de rentabilidade fixa, estilos de investimento, nomeadamente de volatilidade mínima e novos mercados, destacando-se o México. O risco climático como risco de investimento é outra proposta da BlackRock.

A Fidelity diz que o futuro está na sustentabilidade e reforça que a Covid-19 acelerou a adoção do capitalismo sustentável, em particular em questões relacionadas com o bem-estar social.

Diz ainda a gestora que numa análise ao mês de março, das 2.600 companhias examinadas, aquelas que tiveram as mais altas performances em termos de ESG superaram as classificadas como inferiores.

 

Múltiplos muito valorizados
A magnitude da recuperação dos mercados financeiros ao longo do segundo trimestre deste ano surpreendeu investidores e corretores. Esta recuperação vai influenciar o semestre em que entrámos e possivelmente o próximo ano. A recuperação ficou a dever-se aos estímulos dos bancos centrais e à descida das taxas de juro. Na Europa, onde a curva de rendimentos estava flat e que depois passou a território negativo, foram encontrados novos formatos de estímulo.

Foi replicado aquilo que tem sido feito nos últimos quatro a cinco anos com os programas de compra de ativos. Só que estes passaram a ser maiores e mais extensos, mais abrangentes e com menos restrições do que no passado. E as compras do Banco Central Europeu (BCE) foram alargadas. Estavam restringidas pois só podia comprar de acordo com a participação de capital de cada país, o que significava, aliás, compras muito inclinadas para os bunds alemães. Esta metodologia dificultava a compra de dívida periférica. O problema acabou ultrapassado com o programa que hoje existe. E o mesmo aconteceu nos EUA com um banco central mais proactivo no sentido de estimular ainda mais a economia e que permitiu o corte de 150 pontos de base.

Aquilo que os investidores se apercebem é de que existe uma correlação positiva entre os ativos de risco e a liquidez e o dinheiro acaba, assim, por fluir para os ativos de risco. As próprias economias emergentes também adotaram programas de compra de ativos. Assistimos, por isso, a um boom monetário coadjuvado com um boom fiscal com o objetivo último de resgatar a economia.

Globalmente os mercados financeiros em termos de múltiplos estão muito valorizados acima da média, e apenas podemos equipará-los ao que acontecia na viragem do século, concretamente no ano 2000, e que em múltiplos do S&P 500 acima dos 22.

Os mercados estão caros, afirmam os analistas que contactámos. Dado que incorporam este múltiplo elevado, o semestre trimestre vai refletir o fosso da crise e da recessão na economia real. A perceção que existe é de que se espera uma recuperação no segundo semestre. E o que não aconteceu este ano em termos de recuperação será postecipado para o final de 2021 ou início de 2022. O consensus indica uma recuperação das economias em 2021 para o nível de 2019.

O que igualmente influencia as tendências nos mercados será a alteração comportamental dos investidores e dos consumidores. Os negócios dificilmente voltarão ao patamar anterior à pandemia e isto porque no meio deste processo pode haver destruição do lado da oferta com empresas a fecharem e a gerarem desemprego. E há destruição do lado da procura porque o produto potencial das economias baixará, sobretudo no caso das economias do sul da Europa e que estão mais dependentes do turismo, restauração e serviços afins.

O economista José Brandão de Brito, diz que os mercados “estão sobrevalorizados, mesmo tendo em conta todos os estímulos”. E adianta que ao ritmo daquilo que se fez nos últimos três ou quatro meses e perante o enfraquecimento da economia, a única forma de manter os mercados e os investidores interessados em adquirem mais ativos e com estes sinais de sobrevalorização, tem sido apenas e só os estímulos”.

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