Ilan Pappé, historiador e ativista israelita, professor na Universidade de Exeter e exilado em Inglaterra, não desiste de esclarecer o público sobre “os mitos” por detrás das origens e identidade do Estado de Israel contemporâneo. Não desiste de questionar e refutar ideias feitas que defendem a injustiça para uma parte da população – os palestinianos – e os privilégios para outra parte. E tal como questiona a desinformação histórica e as verdades indiscutidas, também explica porque a solução de dois Estados deixou de ser viável.
Mas não vamos acelerar aquilo que deve ser lido com calma. No prefácio à edição portuguesa, dada à estampa pela Edições 70, lê-se que “as falácias construídas em relação ao passado e ao presente em Israel e na Palestina colocam obstáculos à compreensão da origem do conflito, e a constante manipulação dos factos relevantes contraria os interesses das vítimas do derramamento de sangue e da violência. Que fazer?”.
Desconstruir mitos e dar aos leitores uma ferramenta que os ajude a compreender melhor a questão israelo-palestiniana é um dos objetivos de Ilan Pappé. “Dez Mitos sobre Israel” foi publicado no 50º aniversário da ocupação da Palestina, e o autor estruturou a sua análise em três partes: Falácias sobre o Passado, Falácias sobre o Presente e O Futuro.
A Palestina começou por se desenvolver como nação muito antes da chegada do movimento sionista. Mas, segundo o mito, a Palestina era uma terra vazia, árida e sem povo. E assim prossegue a primeira parte: do povo sem terra à Declaração Balfour, de 1917, passando pela reivindicação de Israel de representar todos os judeus. Ainda na Primeira Parte, o capítulo 4, “Sionismo não é colonialismo”, o autor refere que “em 1945, o sionismo já tinha atraído mais de meio milhão de colonos para uma região com cerca de dois milhões de habitantes. Alguns chegaram com autorização do governo do mandato, outros não. A população autóctone não foi consultada, nem foi tida em conta a sua objeção à transformação da Palestina num Estado judaico.
Os colonos conseguiram construir um Estado dentro de um Estado – erguendo todas as infraestruturas necessárias –, mas falharam em dois aspetos. Só conseguiram comprar 7% das terras, o que não era suficiente para o estabelecimento de um Estado, e ainda eram uma minoria – um terço – numa região onde queriam ser a única nação. Tal como sucedeu com todos os movimentos de colonialismo de povoamento anteriores, a resposta a estes problemas foi a lógica da aniquilação e da desumanização”.
Antes de avançar para a Parte II, Falácias sobre o Presente, a primeira parte ainda desconstrói a saída voluntária dos palestinianos da sua terra em 1948 e a ausência de alternativa à Guerra dos Seis Dias.
Na Segunda parte, o Capítulo 7, “Israel é a única democracia do Médio Oriente”, foca-se em vários argumentos para contestar essa afirmação/mito, desde a punição coletiva à política orçamental relacionada com a questão da terra, passando pela privação de direitos e pelo recurso à tortura e encarceramento extrajudicial. “O Estado israelita agarra-se à opinião de que é um ocupante benévolo. Segundo o argumento a favor da «ocupação esclarecida», o cidadão israelita médio considera que os palestinianos estão muito melhor sob ocupação e que não têm a mínima razão para resistirem, e muito menos pela força.” […] É precisa alguma coragem para contestar os mitos fundacionais da nossa sociedade e do nosso Estado.”
Não serão muitos, mas há quem reme contra a corrente e a narrativa oficial. Académicos de diversas áreas deram esse passo e, como refere o autor, “apresentaram Israel como membro de uma comunidade diferente, a das nações não democráticas.” […] “Outros foram mais longe, classificando Israel de Estado de apartheid ou de colonialismo de povoamento.”
A Parte II fica completa com os capítulos “As mitologias de Oslo” e “As mitologias de Gaza”, que antecedem a Terceira e última parte, na qual é refutado o mito de que a solução dos dois estados é a única via possível. “A solução dos dois Estados (…) é uma invenção israelita destinada a fazer a quadratura do círculo. Responde à pergunta de como manter a Margem Ocidental sob controlo israelita sem incorporar a sua população em Israel. Foi sugerida a concessão da autonomia a uma parte da Margem Ocidental, transformando-a num quase-Estado. Em troca, os palestinianos abandonariam todas as esperanças do regresso dos refugiados, de igualdade de direitos dos palestinianos em Israel, do destino de Jerusalém e de viverem uma vida normal como seres humanos na sua pátria”.
Ilan Pappé conclui que só será alcançada uma solução justa se os mitos deixarem de ser tratados como verdades.
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