1. A decisão de António Costa em não ouvir o Chega no processo de formação do governo tem merecido o aplauso generalizado da esquerda e da direita politicamente correta mas é um erro, além de uma perversidade.

O PS bem pode protestar a medida como sendo de higiene democrática. Nem assim afasta as suspeitas sobre o proveito evidente: fazendo crescer o Chega, o PS está, como é óbvio, a evitar que à direita, nos próximos anos, se possa desenvolver qualquer alternativa de poder. PSD, IL e CDS (se conseguir renascer) são ainda assim poucochinho. O PS faz disso, com descaro, um seguro de vida. À sua esquerda, como e quando quiser, pode requisitar os dois partidos que colocaram a ditadura na gaveta. À direita procura garantir que o PSD e os outros não possam fazer o mesmo com os populistas do Chega.

Além do mais, há aqui uma dimensão de egoísmo social. Invocando as ponderosas razões democráticas que parecem descansar uma certa “inteligência” e utilizando, agora em sentido contrário, o “nós e eles” de que André Ventura tanto gosta, António Costa e o PS pretendem ignorar que essa atitude vai ter reflexos na sociedade, gerar conflitualidade.

2. Substantivamente, este episódio de estigmatização do Chega tem apenas uma carga simbólica, política. Vale zero em matéria de facto. António Costa não precisaria de ouvir quem quer que fosse e, também, imagina-se facilmente, fará o que ele e o PS muito bem entenderem.

Tudo isto é bom para o PS (e para o Chega, já agora) porque torna o protesto uma zona demarcada para André Ventura. Ou seja, recomenda o partido para escolha futura de todos os deserdados da vida e dos revoltados mais ou menos permanentes. Como já se viu, no Alentejo e não só, o protesto não tem ideologia e transita bem entre os extremos.

3. Alguns comunicadores da Nação, com o devido acompanhamento de velhos especialistas na deteção de fascistas, podem continuar a esganiçar-se. Portugal não pode ter medo do que não existe. O Chega é, apenas, não conseguindo competir em populismo com as propostas de PCP e Bloco de Esquerda, um partido que repete aquilo que julga que “o Povo” quer ouvir. Um partido assim só se desgasta pela obrigação de apresentar soluções, pelo escrutínio das propostas que tenha para os problemas concretos.

Quanto mais depressa o Chega entrar em pleno no jogo democrático, mais depressa começará o seu declínio. Os dois partidos comunistas do Parlamento nacional são a prova disso. E é assustador, mesmo que não seja politicamente correto dizê-lo, um país ser capaz de dar como acabada a democratização do PCP e do Bloco e pretender recusar um tratamento idêntico a um partido populista que não advoga qualquer ditadura, não elogia o abominável regime da Coreia do Norte, nem a Venezuela, nem Cuba, nem…

4. Que democratas são estes, capazes de esquecerem, ou pelo menos relativizarem, os crimes de sangue pelos quais Otelo Saraiva de Carvalho foi condenado (e com pena cumprida até ao indulto de Mário Soares, inteligente e pacificador) e, logo depois, se apresentam como jurados populares para julgarem um outro, como Diogo Pacheco de Amorim (não gosto da figura, esclareço já), de maneira sumária e com base numa visão restrita da Democracia? Como primeira aproximação à maioria absoluta do PS, tudo isto é preocupante.