Independentemente da vitória socialista e da varridela de alguma representação parlamentar, a entrada dos novos partidos no Parlamento vai obrigar a profundas modificações com impacto público na aproximação à assembleia.

Mas não será apenas no Parlamento que tal vai ocorrer. Muito vai ter de mudar no centro-direita depois destas eleições. Com o PSD a rondar os 28% e a não chegar aos 80 deputados e longe do número mágico dos 116 (faltando quase 50% do futuro grupo parlamentar), com o CDS pulverizado e os restantes partidos desta área a não obterem no seu conjunto uma dezena de parlamentares, o desafio de regressar ao poder parece mais mirífico. Mas a mudança tem de ir além da dimensão pessoal, assumindo métodos e conteúdos mais dirigidos e inovadores.

Nestas quatro décadas e meia de democracia sempre foi mais fácil à esquerda alcançar representação. Consequência de um trauma coletivo da revolução ou resultado do sistema eleitoral, certo é que apenas uma transfiguração dos partidos do centro-direita permitirá o regresso ao poder numa legislatura. O CDS deu o pontapé de saída, concorrendo para a clarificação, antecipando soluções. Outros, refletindo, devem perspetivar objetivos e estratégias para criar soluções que promovam a continuação de um processo interrompido há quatro anos pela geringonça. Isso ou uma crise aguda como já alguns vaticinam.

Uma das lições a retirar destas legislativas é que o sentido tradicional de fazer política acabou. Tal já se detetava desde 2015 com a geringonça, ideia reforçada com o peso maior do PS à custa do PCP e do Bloco, que perdendo votos viram o Livre chegar ao hemiciclo. Nem podem estes partidos deixar de tomar  medidas  perante o único beneficiário direto da herança da geringonça.

A esquerda, que sempre teve facilidade em se fazer eleger no pós 25 de Abril, consolida o seu peso. Mas o PS de António Costa, apesar de crescer, não teve o sucesso que esperava e que sonhou. O que não deve constituir qualquer conclusão satisfatória para o centro-direita.

O novo desenho do hemiciclo vai implicar uma nova transformação no funcionamento parlamentar. Que voltara a perder a dimensão do trabalho em comissões e regressara em plenário à oratória palavrosa, ao invés do trabalho mais aprofundado. Não é possível aos partidos de representação única ter presença em todas as comissões, pelo que se verificará uma tendência de centrar a intervenção parlamentar no plenário, onde todos terão tempo e visibilidade quase igualitária. Perde o Parlamento, ganha a encenação. Mas ganha igualmente o partido vencedor, cujo processo de fiscalização será menos vincado e menos efetivo na dispersão de tempos e votos.

O sistema português assim foi concebido e dificilmente será corrigido, pois tal interessa a qualquer partido que estiver no poder. Com os resultados da última eleição se entende a fixação de uma barreira percentual de representação como a que existe em alguns sistemas políticos como o alemão, onde para se ter presença no Parlamento é necessário alcançar pelo menos 5% dos votos, para garantir uma maior estabilidade e facilitar o processo de formação de maiorias de governo de modo mais simples. Dir-se-á que em subversão com a representação proporcional.

Paradoxal para quem se habituou ao sistema presente, o novo sistema terá maiores dificuldades para formar governos duradouros, estáveis e de legislatura. O tempo o dirá, mas esta legislatura promete algumas experiências inovadoras num sistema que se julgava cinzento e caduco.

Os deputados constituintes não devem ter imaginado o alcance das suas decisões, passado quase meio século. Mas se tal anima a dimensão parlamentar, pode constituir uma dor de cabeça para quem quiser formar um governo que tenha de lidar com situações de crise como as que se anunciam ou as que debelamos, graças à existência de maiorias absolutas.