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Novo Banco: Deputados querem saber o que podem (e não podem) divulgar da auditoria

Auditoria da Deloitte a 18 anos de gestão do BES/Novo Banco será divulgada depois de serviços jurídicos do Parlamento e Governo indicarem o que é confidencial e as informações que podem ser desclassificadas. Pretende-se tornar público o relatório sem as informações consideradas sigilosas que obrigam os deputados a cumprir as regras do segredo bancário.
1 Setembro 2020, 17h45

A auditoria aos atos de gestão do BES/Novo Banco entre 2000 e 2018 chegou hoje ao Parlamento, remetida pelo Governo, num documento com perto de 400 páginas e classificado como “confidencial”. O presidente da Comissão de Orçamento e Finanças (COF), Filipe Neto Brandão, quer agora saber o que podem, ou não, os deputados divulgar do relatório final que concluiu por perdas líquidas de 4.042 milhões de euros em 283 operações.

O deputado socialista já remeteu a documentação da Deloitte para os serviços jurídicos do Parlamento para definirem a informação que é considerada confidencial ao abrigo do segredo bancário e pediu também ao Governo a identificação dos dados de natureza confidencial. Objetivo: elementos protegidos pelo sigilo da versão que será tornada pública.

“Assinei um despacho a remeter a documentação da Deloitte para os serviços jurídicos de apoio à COF para analisar o que é suscetível de ser considerado confidencial ao abrigo do sigilo bancário, para pode desclassificar tudo o resto”, avançou ao Jornal Económico Filipe Neto Brandão, acrescentando que o objetivo é o de tornar pública a auditoria no site do Parlamento, a curto prazo, depois de retiradas as partes que venham a ser consideradas confidenciais.

Para o efeito, explica, foi ainda pedido ao Governo, através do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, para proceder à identificação das matérias sigilosas, pronunciando-se sobre aquelas que considera partes sensíveis ou abrangidas pela confidencialidade. O presidente da COF espera concluir “em breve” este processo, acreditando que a versão pública da auditoria estará disponível antes da audição agendada com o presidente executivo do Novo Banco, António Ramalho, para 15 de setembro.

Recorde-se que foi o Executivo, através do Ministério das Finanças, que entregou na madrugada desta terça-feira, 1 de setembro, ao Parlamento a documentação relacionada com a auditoria aos atos de gestão dos últimos 18 anos do BES/Novo Banco, classificada como “confidencial”.

O ministro das Finanças, João Leão, salvaguardou na carta que acompanha o relatório em suporte informático que está impedida a divulgação de informação abrangida pelo segredo bancário. Em causa estão dados sob sigilo como valores individuais e os nomes de quem contraiu dívidas junto das entidades que foram alvo de análise na auditoria especial da Deloitte.

“Sublinha-se que o relatório da auditoria especial contém informação sujeita a sigilo bancário que, não sendo oponível para efeitos de transmissão à Assembleia da República e ao Governo nos termos da Lei nº 15/2019 de 12 de fevereiro, vincula os destinatários do mesmo ao dever de reserva nos termos previstos nos artigos 78 e seguintes do regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras [RGICSF]”, lê-se na carta do ministro das Finanças, datada de 31 de agosto, dirigida ao presidente da Assembleia da República que acompanha o relatório de auditoria enviado em suporte informático, a que o JE teve acesso.

João Leão sinaliza, assim, que os deputados da Assembleia da República, segundo o RGICSF, não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes.

O presidente da COF adiantou ao JE que o documento foi já remetido na manhã desta terça-feira para os deputados desta comissão que podem ter acesso integral através de um software específico. Segundo Filipe Neto Brandão, todos os deputados da COF podem ter acesso ao relatório através de credenciação.

Perdas superam os quatro mil milhões de euros

A auditoria da Deloitte avalia atos de gestão de 18 anos, primeiro do BES e desde 2014 do Novo Banco, incluindo já uma parte em que a sua gestão era privada e será também remetida pelo Governo à Procuradoria-Geral da República. Segundo os dados divulgados esta madrugada pelo Ministério das Finanças, as operações analisadas neste período geraram perdas líquidas superiores a quatro mil milhões de euros no Novo Banco e “descreve um conjunto de insuficiências e deficiências graves” no BES, até 2014, na concessão de crédito e investimento em ativos financeiros e imobiliários.

O relatório, resultante da auditoria da Deloitte, analisou actos de gestão praticados entre 1 de Janeiro de 2000 e 31 de dezembro de 2018, tendo sido objeto de análise 283 operações que  originaram perdas de 4.042 milhões de euros para o Novo Banco entre 4 de Agosto de 2014 (um dia após a resolução do BES) e 31 de dezembro de 2018.

A amostra total da auditoria da Deloitte ao Novo Banco abrange 283 ativos, entre créditos, imóveis, títulos e operações com subsidiárias que tenham gerado perdas cobertas pelo Mecanismo de Capital Contingente (CCA). A amostra terá abrangido 100 devedores e outros que o Fundo de Resolução tenha decidido adicionar ao escrutínio da Deloitte.

Foram analisados três blocos de atos de gestão do Novo Banco praticados naquele período. Foram auditadas 201 operações de crédito que geraram perdas de 2.320 milhões de euros, 26 operações com subsidiárias e associadas, que causaram perdas de 488 milhões de euros e ainda 56 operações com outros ativos, que geraram perdas no valor de 1.234 milhões de euros.

Trata-se de um relatório “extenso” e que “descreve um conjunto de insuficiências e deficiências graves de controlo interno no período de atividade até 2014 do Banco Espírito Santo no processo de concessão e acompanhamento do crédito, bem como relativamente ao investimento noutros ativos financeiros e imobiliários”, frisam as Finanças.

Maioria de perdas tem na origem ativos herdados do BES

Tal como o JE noticiou na última edição, a auditoria conclui que nos problemas detetados na grande parte devem-se ao período de gestão pré-resolução do BES, até 3 de agosto de 2014, quando o banco era liderada por Ricardo Salgado, acusado de 65 crimes, incluindo associação criminosa, corrupção ativa no setor privado, burla qualificada, branqueamento de capitais e fraude fiscal, no processo BES/GES. Só as burlas cometidas pelo ex-banqueiro terão custado 2,5 mil milhões de euros ao BES, segundo a acusação do MP. Os auditores sinalizam, assim, que grande parte das perdas ficou a dever-se a créditos e imóveis herdados do BES.

Segundo a nota enviada pelo Ministério das Finanças, o relatório de auditoria “evidencia que as perdas incorridas pelo Novo Banco decorreram fundamentalmente de exposições a ativos que tiveram origem no período de atividade do Banco Espírito Santo e que foram transferidos para o Novo Banco no âmbito da resolução”, assim como a existência de um conjunto de “insuficiências e deficiências graves de controlo interno no período de atividade até 2014 do Banco Espírito Santo”.

O Novo Banco destacou já, em comunicado, esta conclusão evidenciada pelas Finanças, realçando ainda que o relatório confirma ainda “os progressos realizados pelo Novo Banco” nas áreas de controlo interno. A entidade liderada por António Ramalho assegura que o banco está “ totalmente empenhado em continuar o caminho traçado que permitirá cumprir na integra as indicações referidas no relatório de auditoria”.

Na auditoria foram analisados e escrutinados vários tipos de operações como créditos, decisões de investimento ou desinvestimento em Portugal ou no estrangeiro, bem como decisões de aquisição e alienação de ativos, nomeadamente de imóveis, durante vários mandatos de gestão. O mais longo refere-se ao de Ricardo Salgado que durante 22 anos liderou o banco, até 2014, abrangendo ainda as presidências executivas seguintes como a de Vítor Bento, Eduardo Stock da Cunha e António Ramalho, atual presidente executivo do Novo Banco.

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