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Novobanco responde ao Tribunal de Contas dizendo que “não é empresa pública”

Recorrendo a um parecer jurídico do advogado Paulo Otero, o Novobanco diz que é à luz dos deveres fiduciários e em “estrito cumprimento das condições do CCA que o banco tem conduzido um conjunto de operações de desinvestimento, em cumprimento dos compromissos assumidos pelo Estado e demais exigências regulatórias, e não, como a auditoria quer fazer crer, para aumentar o recurso ao mecanismo de capitalização contingente”.
  • Cristina Bernardo
12 Julho 2022, 21h01

O Novobanco respondeu ao Tribunal de Contas (TdC), que publicou o relatório da segunda auditoria ao financiamento público do Novobanco pelo Fundo de Resolução (FdR), ao abrigo do Acordo de Capitalização Contingente (CCA) celebrado por ambos em 18 de outubro de 2017 e que foi pedido pela Assembleia da República.

Recorrendo a um parecer jurídico do advogado Paulo Otero, o Novobanco diz que “é à luz dos deveres fiduciários” e em “estrito cumprimento das condições do CCA que o banco tem conduzido um conjunto de operações de desinvestimento, em cumprimento dos compromissos assumidos pelo Estado Português e das demais exigências regulatórias, e não, como a auditoria quer fazer crer, para aumentar o recurso ao mecanismo de capitalização contingente”.

Isto em resposta à conclusão do TdC que diz que em 2018 e 2019, o Novobanco vendeu ativos com desconto de 75% face ao valor nominal ou valor contabilístico bruto e de 33% face ao valor contabilístico líquido de imparidades. “Não foi demonstrado que a estratégia de redução de ativos através de vendas em carteira fosse eficaz e eficiente na prossecução do princípio da minimização das perdas/maximização do valor dos ativos”, diz o TdC.

Nas revendas realizadas, os compradores do património imobiliário, incluído em duas carteiras, obtiveram mais-valias iguais ou superiores a 60%.

Tribunal de Contas diz que a gestão do Novobanco “não salvaguardou interesse público”

O parecer encomendado pelo Novobanco diz que a jurisdição e os poderes de controlo do Tribunal de Contas sobre o banco nunca deveriam incidir sobre a gestão propriamente dita de ativos do Novobanco que não estejam abrangidos pelo CCA, “não existindo, por maioria de razão, qualquer jurisdição ou poder de controlo do Tribunal de Contas sobre a gestão dos demais ativos do Novobanco”.

“Uma auditoria sobre a salvaguarda do interesse público no contexto de pagamentos efetuados pelo FdR ao abrigo do CCA apenas deveria incidir subjetivamente sobre o próprio FdR e objetivamente sobre a gestão dos ativos abrangidos pelo CCA, não sobre o novobanco ou sobre qualquer ato de gestão”, conclui o parecer assinado por Paulo Otero.

A resposta do Novobanco feita em linguagem jurídica, invoca o facto de o banco ser hoje “uma sociedade comercial de capital maioritariamente privado, sendo detido em 75% pela Nani Holdings, SGPS; em 23,44% pelo FdR e em 1,56% pelo Estado Português, através da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças” e “apesar desta participação pública minoritária, o Novobanco não preenche – nem nunca preencheu – nenhum dos critérios estabelecidos pelos artigos 5.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro, para ser qualificado como empresa pública”.

O banco lembra também que “não existe qualquer influência dominante, direta ou indireta, do Estado ou de outros entes públicos”.

O banco lembra também que “o Fundo de Resolução é uma pessoa coletiva e que, apesar de formalmente pública (artigo 153.º-B RGICSF), é integralmente financiada por contribuições privadas, maioritariamente das instituições nele participantes”.

Esta circunstância de o FdR ser financiado em exclusivo através do sistema bancário “torna altamente discutível a natureza pública dos recursos através dos quais aquela entidade efetua pagamentos ao Novobanco ao abrigo do CCA”, diz o banco que invoca o parecer do professor de Direito Paulo Otero.

“Em reforço desta conclusão, é importante notar que o valor pago ao Novobanco ao abrigo do CCA relativamente ao exercício fiscal de 2020, em exame [pelo Tribunal de Contas] foi, na realidade, financiado no seu todo por instituições financeiras nacionais e não pelo Estado Português, tal como consta na Resolução do Conselho Ministros”, defende a instituição financeira.

Isto para dizer que “não parece existir qualquer jurisdição ou poderes do TdC sobre a aplicação dos fundos em questão”. O parecer jurídico defende que, sendo o Novobanco uma entidade privada, a admissibilidade de uma auditoria com o objeto e os objetivos definidos excede o permitido por lei.

“A sujeição do Novobanco à jurisdição e aos poderes de controlo financeiro do TdC apenas pode ser efetuada à luz de um princípio de intervenção mínima em virtude do qual qualquer intervenção deve obedecer aos princípios da tipicidade e da necessidade”, defende o parecer.

“O Relatório [do TdC] pressupõe a existência, na esfera do Novobanco, de um dever jurídico de positivamente adequar a sua gestão ao interesse público, que, no Relatório, surge identificado com a minimização do financiamento público. Ora isso não corresponde à realidade pois há que partir dos interesses públicos definidos na lei que regula a resolução bancária, bem como os termos em que as entidades públicas envolvidas interpretaram, ponderaram e concretizaram aqueles interesses públicos”, acrescenta o banco.

O Novobanco diz que, com base no parecer jurídico, “o Estado Português, em articulação com a Comissão Europeia e através do FdR, cristalizou a sua interpretação, ponderação e concretização dos interesses públicos envolvidos no CCA que veio a ser celebrado entre o FdR e o Novobanco (tendo este sido instruído pelo Banco de Portugal a celebrá-lo e a cumpri-lo), o qual constitui essencialmente um mecanismo de compensação, precisamente em vista da proteção dos interesses públicos considerados relevantes por aquelas entidades”.

A ponderação de interesses efetuada no contexto dos compromissos assumidos pelo Estado Português perante a Direcção-Geral de Concorrência, ditou um conjunto de regras de atuação e metas de desinvestimento e uma “drástica limitação dos poderes de intervenção públicos sobre o Novobanco, bem como o afastamento de toda e qualquer outra intervenção do FdR na gestão do Novobanco, exceto em relação aos ativos CCA”, salienta o banco.

O Novobanco lembra que o interesse público subjacente à venda do banco e a consequente cessação do seu estatuto de banco de transição “determinaram a consideração do CCA como um elemento essencial para assegurar a viabilidade do Novobanco e, assim, preservar a estabilidade do sistema financeiro”.

Quer na sua conceção, quer na sua execução, “o mecanismo de capital contingente é um mecanismo de proteção das perdas acumuladas em ativos específicos, que foi limitado ao mínimo para repor os rácios de capital nos níveis exigidos definidos contratualmente e não – ao invés – um mecanismo de proteção de rácios de capital limitado a perdas especificas”, lembra o banco liderado por António Ramalho.

“Tendo em consideração o elevado risco de perdas associado aos ativos em questão, tal mecanismo constituiu um verdadeiro pressuposto das condições de venda acordadas, na ausência do qual, como é evidente, aquela venda só teria sido aceitável para o adquirente com uma substancial redução da contrapartida ou, pura e simplesmente, não teria sequer sido aceite”, frisou o banco.

“A ideia de que uma gestão do banco tem de estar alinhada com uma gestão sem perdas desconsidera as condições do CCA”

Ora, o Novobanco critica o facto de o relatório do TdC assentar na ideia de que “uma gestão do banco alinhada com  o interesse público é uma gestão sem perdas”.

“Fazer equivaler a salvaguarda do interesse público na gestão do Novobanco a uma gestão sem perdas desconsidera a razão de ser e as condições de funcionamento do CCA enquanto instrumento essencial para assegurar a viabilidade do banco”, refere a instituição.

As decisões de gestão do Novobanco, sejam ou não relativas a ativos abrangidos pelo CCA, “pautam-se por critérios de diligência na prossecução do seu objeto social, no cumprimento dos seus deveres fiduciários, no melhor interesse dos seus depositantes, clientes e demais stakeholders e no respeito dos limites externos de carácter regulatório previstos na lei”, considera o banco.

O parecer de Paulo Otero diz mesmo que o “em todo o Relato [do TdC] perpassa a ideia de que o Novobanco está, não só sujeito à lei – que, aliás, o Tribunal de Contas considera ter sido sempre cumprida –, mas a outros deveres morais com origem no apoio público que foi assumido nos acordos e compromissos de 2017”, mas, diz o banco, o TdC esqueceu-se que “o Novobanco é privado e que a manutenção de uma participação minoritária do FdR no capital do banco visou apenas potenciar o eventual benefício financeiro da operação de turnaround que se veio a verificar”.

O banco conclui que “no exercício dos seus deveres fiduciários a gestão tem em consideração o interesse público (…), mas isso não pode significar a não utilização de fundos dos seus acionistas que sejam devidos quando a capitalização do banco o requeira, e dentro dos termos contratualmente previstos”.

“À gestão cabe velar pela capitalização da instituição que é devida pelos acionistas, sendo alheia à proporção e termos de capitalização que os acionistas entre si definiram”, acrescenta o Novobanco.

“A execução do CCA [Acordo de Capitalização Contingente], nomeadamente no que respeita à verificação das perdase ao valor de capitalização pelo FdR durante o período de reestruturação revelou-se em linha com os compromissos e estimativas constantes do acordo entre o Estado Português e a Comissão Europeia, não obstante as condições de mercado que se vieram a verificar serem muito diferentes (mais penalizadoras) das assumidas nos Compromissos (evolução das Euribor, pandemia, etc.), tendo permitido um justo equilíbrio entre a viabilidade do novobanco e o interesse público subjacente à solução acordada no processo de venda”, refere ainda o Novobanco.

Numa carta que é dirigida ao “Excelentíssimo Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas”, o banco liderado por António Ramalho começa por dar conta do “Princípio do Contraditório” que foi exercido em abril, e que foi acompanhado do parecer do advogado Paulo Otero.

“O relato está datado de abril de 2022 e tem o título «Gestão do Novo Banco com financiamento público» e o subtítulo «A gestão do Novo Banco com financiamento público pago pelo Fundo de Resolução, ao abrigo do Acordo de Capitalização Contingente, salvaguarda o interesse público?» (interrogação original)”, lê-se no documento.

A auditoria a que o relato respeita “foi instaurada na sequência de uma solicitação da Assembleia da República que importa contextualizar”, lembra o banco. “Em 17 de junho de 2020, a Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República deliberou, ao abrigo ao artigo 71°, n° 3, da Lei de Enquadramento Orçamental (…) a realização de uma auditoria pelo TdC ao Novobanco, visando averiguar a gestão do passivo e a alienação dos ativos, no respeitante à salvaguarda do interesse público por parte dos veículos sucedâneos do Banif e do Banco Espírito Santo (BES)”, acrescenta.

Em 14 de outubro de 2020, “a mesma Comissão Parlamentar deliberou ampliar o objeto da auditoria solicitada em 17 de junho de 2020, de modo a que o TdC fizesse incidir a sua análise sobre “as operações e os atos de gestão que estiveram na origem e levaram à necessidade de transferência de verbas do Fundo de Resolução para o Novo Banco”, ao abrigo do CCA [Acordo de Capitalização Contingente]. Este alargamento foi formalmente solicitado pela Assembleia da República em 20 de outubro de 2020, em conjunto com um pedido de precedência sobre outras auditorias antes solicitadas, com fundamento na sua urgência”, contextualiza o banco.

“De acordo com os termos de referência definidos no plano geral de auditoria, esta teve então como objeto o Processo de Financiamento Público do NB (FPNB) pelo FdR, no âmbito do CCA [Acordo de Capitalização Contingente] celebrado por ambos em 18 de outubro de 2017”.

A auditoria do TdC, tem como objetivo “avaliar se o FPNB, ao abrigo do CCA [Acordo de Capitalização Contingente], salvaguarda o interesse público, o que, neste contexto, significa concorrer para a estabilidade do sistema financeiro; minimizar o impacto na sustentabilidade das finanças públicas; financiar o valor apropriadamente demonstrado, verificado e validado”.

Portanto esta segunda auditoria do TdC “teve então como objeto as operações e demais atos de gestão do NB até 31 de dezembro de 2020, com financiamento público pago pelo FdR, ao abrigo do CCA celebrado por ambos em 18 de outubro de 2017 (…) com  o objetivo de avaliar se a gestão do NB com financiamento público salvaguarda o interesse público, o que, nos termos solicitados pela Assembleia da República, significa otimizar (minimizar) o recurso a esse financiamento através da verificação de condições”.

As condições que o TdC foi chamado a ver se se verificaram são a “adequada avaliação e valorização contabilística dos ativos; o adequado reconhecimento de perdas nos ativos, por imparidade; a venda de ativos sem prejudicar o balanço do banco (sem perdas); a inexistência de conflitos de interesses e de complacência; a  inexistência de práticas destinadas a acionar o mecanismo de capital contingente; e o eficaz controlo público (incluindo acatar o recomendado pelo Tribunal de Contas)”.

O banco lembra que nesta segunda auditoria, entre as entidades auditadas figura em primeiro lugar o Novobanco, “por ser a entidade responsável pela gestão com financiamento público (o conjunto de operações e demais atos com impacto no valor a financiar ao abrigo do CCA), e o FdR, pela sua função de controlo público dessa gestão e do seu financiamento (incluindo acatar o recomendado pelo Tribunal de Contas), sem prejuízo do exame da intervenção de outras entidades pertinentes para a opinião a emitir (como BdP, Ministério das Finanças, Agente de Verificação e Comissão de Acompanhamento)”.

O Novobanco sublinha ainda que o conjunto de compromissos assumidos pelo Estado Português perante a Comissão Europeia, em 11 de outubro de 2017 implicou a “redução significativa do seu perímetro de atuação, geográfico e de negócio, só alcançável através da implementação de múltiplos processos de desinvestimento de grande alcance, bem como uma simplificação organizacional; o efetivo clean-up do balanço sobretudo em relação a ativos abrangidos pelo CCA cuja data para resolução se fixou até ao final de 2020; e a fixação de um período de reestruturação que duraria até ao final de 2021, com uma possível prorrogação pelo prazo de um ano, caso não fossem cumpridos os compromissos de viabilidade estabelecidos para 2021″.

“Adicionalmente, estes compromissos são complementados com exigências regulamentares impostas pelas diversas entidades de supervisão, atendendo à qualificação do Novobanco como instituição sistémica. Estas componentes sistémicas compõem o quadro regulamentar aplicável, têm condicionado a gestão do banco e incidem indistintamente sobre ativos abrangidos e não abrangidos pelo mecanismo CCA”, lembra o Novobanco.

O banco liderado por António Ramalho lembra as exigências que recaem sobre os bancos nomeadamente “os regulamentos e recomendações aplicáveis ao setor bancário, com especial enfoque no peso de ativos não produtivos no balanço dos bancos, os quais determinaram um rácio alvo de 5% a partir de 2017; o SREP – Supervisory Review and Evaluation Process, no âmbito do qual são fixados os requisitos mínimos de capital regulamentar a observar e um conjunto de compromissos estratégicos a atingir no período de referência seguinte”.

O banco destaca ainda que o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras impõe uma proibição de aquisição de imóveis que não sejam indispensáveis à atividade, e que as instituições financeiras não podem deter no seu balanço imóveis obtidos no contexto de operações de recuperação de crédito por um período superior a dois anos.

“Finalmente destaque-se que o Novobanco, como todos os bancos regulados, cumpre os requisitos mínimos de capital que lhe são fixados pela autoridade competente e que cabe aos seus acionistas assegurar esse cumprimento enquanto “dever geral de um acionista de uma instituição financeira”, refere o comunicado.

No caso específico do Novobanco, este “dever geral” foi negociado entre acionistas de forma que a capitalização do Banco não fosse assegurada de forma proporcional entre eles, mas através de regras e instrumentos de capitalização acordados entre si.

Em resumo, “os pressupostos e compromissos que o Estado Português assumiu para o Novobanco, juntamente com as exigências regulatórias aplicáveis, criaram um modelo de gestão de restruturação condicionada com objetivos quantitativos bem definidos, com limitações à gestão muito claras e com sanções por incumprimento de alguns dos compromissos de viabilidade constantes da Decisão CE, como é o caso de redução adicional do número de colaboradores e de fecho de balcões, sem prejuízo de outras penalidades que pudessem vir a ser aplicadas caso fosse adiado o fim do período de reestruturação por incumprimento dos compromissos”, acrescenta o banco.

O Novobanco, tal como já tinha referido o Fundo de Resolução e o Banco de Portugal, lembra que o montante das perdas dos ativos abrangidos ultrapassa o montante total dos pagamentos efetuados pelo FdR ao banco ao abrigo do CCA, tendo a atividade corrente do Novobanco permitido a redução das chamadas de capital ao abrigo do CCA para um montante inferior ao das perdas reais nesses ativos, contribuindo assim para a redução do financiamento público dessas perdas”.

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