Números e factos, para lá da demagogia

Já várias vezes elogiei Paulo Portas. É difícil não lhe reconhecer habilidade política, instinto e experiência, qualidades preciosas que o distinguem largamente dos restantes membros do governo, mesmo que discorde em absoluto do seu pensamento político. Mas, francamente, é com pesar que o vejo desperdiçar o seu capital político com cada vez maiores e mais […]

Já várias vezes elogiei Paulo Portas. É difícil não lhe reconhecer habilidade política, instinto e experiência, qualidades preciosas que o distinguem largamente dos restantes membros do governo, mesmo que discorde em absoluto do seu pensamento político. Mas, francamente, é com pesar que o vejo desperdiçar o seu capital político com cada vez maiores e mais recorrentes investidas na mais pura demagogia.
Esta semana, o Vice-primeiro-ministro afirmou em Aveiro que “2014 foi o melhor ano de sempre” para as exportações portuguesas e que “as pessoas vão perceber nos recibos de salários e pensões os sinais de recuperação” da economia, que está a ser feita «com os pés assentes na terra». São declarações, a todos os títulos, extraordinárias. Desde logo porque são distorcidas.
Vejamos: quanto às exportações, de facto entre 2011 e 2014 (dados até setembro), o peso das exportações no PIB passou de 34% para 40%. Mas esta tendência de crescimento já vinha de trás: durante os dois governos anteriores (entre 2005 e 2011) o peso das exportações no PIB passou de 27% para 34%. E não esqueçamos que nos últimos 3 anos o PIB caiu quase 6% (o que faz diminuir o valor absoluto representado pelas percentagens de 2014).
Segundo os dados do INE, o melhor ano de sempre foi 2006, em que as exportações cresceram 12%, seguido do ano de 2010 (onde subiram 10%). Na verdade, com apenas 3% de crescimento, 2014 vai ser um dos piores anos de crescimento das exportações dos últimos 20 anos: o quinto mais fraco. Embora a Europa, o nosso maior mercado, tenha voltado a crescer em 2014, as exportações de bens travaram e o seu comportamento nos últimos meses tem sido medíocre (por exemplo, foi negativo em novembro, com -0,4%). Graças à diversificação de negócios e ao turismo, principal responsável pelos atuais 40% de peso das exportações no PIB (15%), mas sobretudo à resiliência dos empresários portugueses, Portugal vai resistindo.
Mas ainda mais extraordinário foi o exemplo que Paulo Portas deu como sinal de recuperação da economia: os recibos dos vencimentos e pensões. Como se o fim da CES e a devolução de 20% dos cortes na função pública tivessem sido decisão do Governo, fruto da boa gestão e da saúde da economia portuguesa. Na verdade, este ligeiro desafogo que alguns portugueses irão sentir, sobretudo os reformados, vai dever-se, exclusivamente, ao Tribunal Constitucional, que obrigou Paulo Portas, contra a sua vontade, a eliminar a contribuição extraordinária e a devolver salários cortados aos funcionários públicos. Fê-lo obrigado, contrariado, por ordem do Tribunal Constitucional. É bom não nos esquecermos.

Gabriela Canavilhas
Pianista, deputada e ex-ministra da Cultura

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