Nas últimas semanas assistimos a um debate público aceso sobre direitos políticos e liberdade religiosa. O tema é fascinante porque não existem respostas fáceis. Na procura delas há que enfrentar algumas das grandes questões contemporâneas. Quais são os limites do Estado? Onde acaba a liberdade religiosa?

O estado de emergência colocou-nos perante restrições aos nossos direitos individuais e coletivos que nunca antes havíamos experienciado em Democracia, porém foi consensual e pacífica a sua necessidade face a um inimigo comum assustador. A coesão nacional estilhaçou-se com a polémica em torno do modelo adotado para a cerimónia do 25 de Abril na Assembleia da República – embora nunca tivesse estado em causa a importância de evocar e relembrar os valores basilares de Abril, aqueles que nos permitem ser o que somos enquanto país e polemizar em liberdade –, a sobranceria com que parte da elite política e intelectual, por norma de esquerda, reagiu aos apelos e críticas de tantos, e a injusta identificação das vozes críticas com o fascismo viriam a acicatar os ânimos.

Sempre me pareceu razoável pensar que a liberdade só é possível na convivência com as diferenças e que marginalização de quem expressa opinião contrária coloca material inflamável nas mãos de populistas. As sondagens recentes mostram que Portugal não está imune a esse vírus.

Uma semana depois, a concentração da CGTP – mesmo que em tese respeitasse todas as normas da DGS – acentuou a insatisfação popular. Nesse fim de semana longo, os portugueses estiveram impedidos de circular entre concelhos, algo que foi permitido a sindicalistas. Uma vez mais não foi a evocação do dia, menos ainda a luta pelos direitos dos trabalhadores e daqueles que perderam o emprego com a pandemia, que esteve em causa, mas sim a insensibilidade que teve enorme repercussão no debate público, ficando a sensação que existem portugueses mais portugueses que os outros e sobretudo mais livres. O debate no meu mural de Facebook, e suponho que no de muitos, foi aceso.

Para católicos, grupo no qual me incluo, foi a primeira Páscoa sem celebrações religiosas. Proibir expressões religiosas individuais e coletivas é algo de regimes fundamentalistas ou totalitários, embora a situação que vivemos mais do que legitimasse o encerramento de igrejas, mesquitas e sinagogas. Porém, quando a discussão incorre num relativismo cultural entramos em terrenos pantanosos. O ateísmo militante é uma religião como outra qualquer e bem mais intolerante do que a maioria delas. E o estado de nervos em que as pessoas andam não ajuda, só amplia mais os ódios. Cabe por isso aos políticos moderar o discurso incluindo, não excluindo.  Quem sabe olhando para a sabedoria e sensatez da Igreja Católica na forma como comunicou com os seus crentes.

Para quem como nós viu o mundo mudar em meses – o regresso de fronteiras à Europa ou frotas inteiras de aviões em terra não era algo imaginável – os dramas individuais parecem diminutos. A realidade, porém, é sempre um pouco mais complexa. Perder a mãe, o pai, um amigo, um familiar e não se poder despedir dele é algo traumático. Estar meses sem poder ver ou abraçar aqueles que amamos merece-me o maior respeito e conheço bem de perto a dor de estar longe de uma filha enfermeira, noutro país, sem saber quando a voltarei a abraçar.

Alguns, sem a dimensão individual da fé, não foram capazes de entender nem respeitar algo que para muitos é profundo. Acredito que poderemos aprender algo enquanto pessoas e sociedade com estes dias de confinamento. Acredito também que o mundo precisa de adultos responsáveis, empáticos, que calcem os sapatos do outro e não de otimismo infantilizado.