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O Aloe-Vera do empreendedorismo

Depois da dura realidade que é entender que a “moda” das startups e o EGOssistema do empreendedorismo podem ser armadilhas perigosas para quem pensa em montar o seu negócio, vamos falar de outra falácia mortífera: a Paixão Aloé Vera.
1 Março 2016, 12h04

Existem alguns produtos quase-mágicos como o Aloé Vera cujas características e benefícios são autênticos milagres. Serve para a roupa, para o cabelo, para a pele, borbulhas e queimaduras, para o sangue, colesterol e hipertensão, para a digestão e prisão de ventre, para o stress, etc… O Aloé Vera dá para tudo até mesmo para hemorroidas. Deve ser por isso que o vemos em todo o lado e em todos os produtos. Do champô, ao gel de banho, passando por cremes cosméticos, perfumes, por detergentes-roupa e detergentes lava-tudo, e até mesmo por iogurtes, sumos, bolachas, cereais, etc… O Aloé Vera terá propriedades fantásticas, mas parece aqueles tónicos que se vendiam nas feiras de antigamente que davam para unha encravada, para crescer cabelo nos carecas e para o mau-olhado.

Nos negócios e mais ainda no empreendedorismo, parece haver algumas palavras mágicas que, tal como o Aloé Vera, servem para tudo e tudo resolvem. Quando as coisas estão difíceis basta dizê-las com muita força e já está. Se a coisa aperta, é fechar os olhos, pensar e insistir e… num toque de magia, tudo se resolverá.

A Paixão é o Aloé Vera do empreendedorismo.

Em todos os discursos “inspirativos” que se prezem e em todas as palestras motivacionais, ouvimos que “o mais importante de tudo é ter paixão”. Chegam-nos mesmo a vender que as coisas até podem ser fraquinhas do ponto de vista da ideia, mercado, modelo de negócio ou equipa… mas se o empreendedor tiver Paixão, não há como não ter sucesso. Em todas as conferências, em todos os painéis de empreendedores e em todos os workshops do tema, vamos ouvir esse cliché de que a Paixão é o tónico mágico do empreendedor. “Faz o que gostas” e já está.

Não queremos vir agora dizer que a Paixão não é importante. Tal como não duvidamos que o Aloé Vera é fonte de uma grande variedade de propriedades úteis, sabemos que a Paixão é tantas vezes o ingrediente pessoal que faz a diferença e transforma banalidade em originalidade. A Paixão pode ser o combustível que garante que uma equipa é única e aguenta as dificuldades que o caminho das pedras do empreendedorismo exige. É essencial, mas não é condição única e suficiente.

A Paixão não resolve tudo. Não salva tudo e não consegue compensar se estrategicamente não estamos no bom caminho. Se a ideia e os produtos não têm qualquer coisa de interessante, se o mercado que não tem potencial, se a proposta de valor não encaixa nos Clientes, se a equipa não tem qualidade nem capacidade e se não houver condições… não há paixão que nos valha. Bem que podemos mostrar todo o entusiasmo do mundo, bem que podemos saltar e pular de tanta paixão que temos, que não nos servirá de muito.

O Empreendedorismo é um caminho duro e difícil cheio de armadilhas, no qual não é possível sobreviver nem ter sucesso sem uma real e genuína paixão. Os empreendedores devem ser pessoas que adoram o que fazem, que realmente estão decididas a fazer acontecer, que têm uma vontade indomável e um prazer obsessivo no tema. Só assim se aguenta o que é preciso aguentar. Só assim se resiste ao que é preciso resistir. Mas Paixão não é Aloé Vera. Paixão não é tudo. Não é magia, nem epifania ou palpite divino. Não é vocação nem tão pouco uma questão de boas intenções. Não é só achar que se gosta muito, mas rachar à menor dificuldade e bufar ao menor esforço que se exige.

É essencial pensar muito e bem. É essencial meter as mãos na massa e ir para o mercado e sentir os Clientes. É essencial não conseguir parar de pensar, obcecar e ir até ao fim do mundo para fazer acontecer. Até que nos doa na alma.

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