Um mundo estranho, carente de referências e valores. Um mundo onde o politicamente correcto, por mais estúpido que seja, pretende impor uma ditadura da sua moralidade que, embora pareça moderna, é simplesmente tacanha e bacoca.

Um mundo repleto de incertezas, consubstanciadas por uma pandemia que trouxe para o espaço público e televisões uma série de médicos, veterinários e alguns doutores da mula russa que ninguém sabia de onde vinham.

E que de repente se vem a saber que um desses rostos recebeu mais de 300 mil euros de laboratórios/farmacêuticas (é um facto; ponto) e outro, sempre sorridente, vendeu a sua imagem para uma campanha de uma operadora de telecomunicações, para publicidade a lentes anti-virais (a qual teve de ser retirada por ser enganosa) e já está metido numa campanha partidária.

Como dizia o criador do James Bond, Ian Fleming, “heróis e vilões trocam os seus papéis constantemente”, e assim rapidamente determinados ídolos oriundos de parte incerta exibem os seus pés de barro.

Logo, o tal mundo carente de referências e valores, quando vê no horizonte um homem ou mulher que se assemelha à percepção de um herói, tenta ungi-lo e lançá-lo a cargos para os quais esse homem ou mulher normalmente não teria vocação nem vontade de os alcançar.

O almirante Gouveia e Melo gosta de matemática e física, conta-me um seu amigo de infância passada pelos ares de África que nunca ele mostrou qualquer apetência ou gosto pela política. Meter um fato e gravata para ele é complicado, por isso a farda é a sua segunda pele. O sucesso da operação de vacinação deve-se em grande medida a ele e à sua equipa e isso é reconhecido pela grande maioria dos portugueses.

Contudo, esta missão para a qual foi chamado tem como base aquilo em que os militares devem ser bons. Planeamento e execução, neste caso, de uma mega operação de logística. E o que aconteceu? Em virtude do reconhecimento público da sua actuação houve quem o começasse a lançar para cargos políticos, nomeadamente, uma futura candidatura à Presidência da República.

Ora, há poucas unanimidades vivas em Portugal, talvez as excepções sejam nestes tempos Ramalho Eanes e Rui Nabeiro que granjeiam um forte apoio popular. O almirante já disse que não está interessado na política e faria muito bem em conservar esta boa opinião que os portugueses têm dele num quartel ou navio após o termo da sua missão honrosa.

“Os meus heróis morreram de overdose” cantava o genial Cazuza, e uma banda portuguesa que já não recordo o nome tinha um refrão que dizia: “já não há heróis”.  Gouveia e Melo está a desempenhar bem a sua função e tem mantido o discurso de anti-herói. Aplaudo-o por isso. Mas a experiência profissional também me diz que há muitos que ficam narcotizados pelos holofotes da fama e quando a perdem tentam voltar a esse calor de luz artificial.

Para bem de todos, desejo que o almirante Gouveia e Melo não sucumba ao maior pecado do mundo moderno e se mantenha com a farda do serviço público sem se aventurar em águas que não são as dele.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.