A pandemia veio adiar projetos e colocar vidas em suspenso. Veio obrigar a refletir sobre a forma de funcionamento das empresas, da nossa organização enquanto sociedade. Num ápice, alterou-nos as prioridades. Mas há uma coisa que a pandemia não conseguiu fazer: parar o relógio do tempo.

Podemos pedir moratórias, adiar compromissos, postecipar decisões. Até podemos utilizar a pandemia como desculpa para as nossas ineficiências e para praticar a procrastinação como o desporto favorito de alguns. Mas não conseguimos contratar uma moratória para a vida. Se a aplicação de políticas que estavam em curso ainda não tinha resolvido problemas, então o adiamento só vem adensá-los. Ainda que concorde que é preciso dar a maior importância à alteração das prioridades (e a saúde pública é a maior delas), a vida não para. O coronavírus não trouxe consigo uma espécie de “desconto de tempo”.

Neste contexto, o trabalho que se veio fazendo no domínio da mobilidade, em que se inclui o setor automóvel, foi fortemente abalado pelas quebras de veículos matriculados em 2020 desde o mês de março, quando se comparam os números com o período homólogo. Apesar das recuperações a que se assiste desde meados de maio, os veículos ligeiros de passageiros matriculados seguem, a julho, uma queda acumulada homóloga de 44,3% para uns preocupantes 94 mil veículos.

Na União Europeia, países há em que a queda é mais acentuada. Mas isso não nos ajuda a resolver o problema. Porque esse persiste. O parque automóvel voltou a “envelhecer” para uma média de 12,8 anos (10,8 anos na União Europeia) e, num parque de pouco mais de cinco milhões de veículos ligeiros de passageiros, cerca de 20% (1 milhão) têm mais de 20 anos (imagine-se o que é um motor a combustão com mais de 20 anos!).

A agravar a situação está a interrupção do ciclo ascendente dos elétricos. É que a julho, tínhamos um número acumulado de 4.198 veículos matriculados elétricos ligeiros de passageiros, representando uma queda de 5,7% (4.452) face ao mesmo período do ano passado.

Curiosamente, em França, o mês de junho registou uma subida homóloga de 1,2% nas matrículas de veículos ligeiros de passageiros, sendo a única exceção à tendência de quebra em todo o espaço da União. Este fenómeno, por certo, fica a dever-se à introdução de fortes incentivos à aquisição de viaturas de baixas emissões. Outros países preparam pacotes de benefícios fiscais muito significativos, reforçando o caminho que já estava a ser percorrido, anteriormente à pandemia.

Em Portugal, quando somados os diversos tipos de impostos (ISP, IVA, ISV, IUC), estima-se que o setor automóvel represente cerca de 20% da receita fiscal arrecadada pelo Estado. É demasiado importante para se manter uma navegação de terra à vista. Urge a formulação de uma estratégia para o setor automóvel que se contraponha à tradicional gestão para o imediato. Estímulos à aquisição e à troca de veículos são fundamentais para inverter o ciclo de quebra.

Faça-se as contas. Mas de forma global, séria e profunda. Incentivos aumentam as vendas. Aumento de vendas aumenta a receita fiscal, acelera a renovação do parque automóvel e aumenta significativamente a eficiência energética. Num ciclo virtuoso que só trará benefícios para todos. O automóvel foi feito para andar. É tão óbvio.