A selva aqui é de pedra. A chuva chega no verão. O trânsito não tem hora. Lima é limão. Aqui, a vida é, em si, uma contradição. Amar e odiar (São Paulo) são verbos que cabem, muitas vezes, na mesma frase.
São Paulo celebrou, no dia 25 de janeiro de 2015, 461 anos de existência. Vários eventos culturais ocuparam a cidade, desde concertos a feiras gastronómicas. O amor por São Paulo é, como qualquer grande amor, incondicional. Mas, às vezes, até uma mãe sabe o filho que tem. Numa altura tão difícil da história da cidade, o amor parece estar a perder contra a razão dentro do coração de muitos paulistanos.
A falta de água é já uma realidade. Esta terça-feira, a Sabesp – empresa que detém a concessão dos serviços públicos de saneamento básico no Estado de São Paulo – admitiu, pela primeira vez, que poderá ser obrigada a adotar um sistema de rotatividade (rodízio, como aqui falam), de cinco dias sem água por semana se o volume das chuvas não aumentar no Sistema Cantareira (o maior reservatório de captação e tratamento de água da região). Ou seja, no bairro “x”, não haverá água segunda, terça, quarta, quinta e sexta-feiras. No bairro “y”, sábado, domingo, segunda, terça e quarta-feiras, e por aí em diante. Os responsáveis advertem que a medida só será adotada numa situação extrema. Mas pergunto eu: isso tranquiliza quem?
Ficar sem água numa cidade como São Paulo – a Nova Iorque da América Latina – num país como o Brasil, cuja riqueza natural é indescutível, parecia-
-me impensável há uns meses. Hoje assusta-me. Imagino o que será chegar a casa depois do trabalho, cinco dias por semana, em dias nos quais a sensação térmica chega a 40ºC, e não poder tomar banho, por exemplo. Será fútil querer tomar um duche antes de dormir? Ou beber um copo de água da torneira?
É neste contexto que sinto que junho de 2013 é, cada vez mais, uma memória longínqua. Por 20 centavos, milhões saíram à rua para protestar. Seria de esperar que a cidade parasse por causa da falta de água ou dos cortes de energias. Mas não. Todos se queixam, mas é como se existisse uma tensão controlada em cada paulistano, uma revolta conformada, diria. O brasileiro tem nele a eterna vontade de agradar o outro. Aqui o “sim” é “talvez’ e o “talvez” é muitas vezes “não”. Será que esse traço cultural se estende tão longe que toca nas questões de primeira necessidade, como o acesso a água potável?
Mas se fosse só a questão da água, São Paulo não estaria bem, mas estaria bem melhor. A cidade de betão luta pela preservação de áreas verdes. Como moradora, posso dizer que são essas áreas que tornam a vivência aqui respirável, literalmente. São Paulo é a cidade dos parques. Os parques estão para São Paulo como o calçadão está para o Rio de Janeiro. Mas apesar disso, volta e meia surge uma história como a que esta semana foi divulgada. Um movimento de moradores, da rua Augusta – uma das ruas mais tradicionais da metrópole – pedia que um grande espaço, que em tempos abrigou um colégio, entretanto desativado, desse lugar a um parque. A Prefeitura acabou de anunciar que, para esse local, foi aprovada a construção de um edifício. Faltam árvores. Constroem-se prédios.
Muitas vezes perguntam-me porque não me mudo daqui. Olhos arregalam-se tantas vezes quando digo que amo São Paulo. Sei que a cidade tem os seus milhares de desafios, mas São Paulo é como canta Caetano: “quem vem de outro sonho feliz de cidade, aprende depressa a chamar-te de realidade, porque és o avesso do avesso do avesso do avesso.”
Juliana Pereira Martins
Jornalista
Correspondente no Brasil