Não me satisfaz a lógica da Justiça no chamado “caso Rui Pinto”. Respeito e compreendo a fundamentação técnico-jurídica mas não me tranquiliza enquanto cidadão.  Para mim, seria de saudar a existência de duas investigações paralelas.

Uma, no sentido de saber se houve atividade criminosa, tanto no acesso aos documentos (de que se queixam a sociedade de advogados PLMJ, o Benfica e o Sporting) como, e sobretudo, em eventuais tentativas de extorsão (de que se fez vítima a Doyen, uma empresa ligada ao futebol e às transferências de jogadores).

A outra investigação, mais importante até, seria para esclarecer se nos documentos acumulados por Rui Pinto haveria, ou não, matéria de relevante interesse público – e que o Ministério Público devesse, se tivesse esse entendimento, analisar em conformidade. Nunca nos esqueçamos que o hacker português já disse ter feito, em devido tempo, queixas anónimas à PGR sobre alguns casos, nunca investigados, além de repetidamente se mostrar disponível para colaborar com as autoridades na análise da informação recolhida.

A minha convicção é que a Justiça nacional foi pelo lado mais cómodo, à revelia da grande tendência internacional nas democracias consolidadas, que é o de relevar o acesso a importantes documentos que não seriam tornados públicos se não fosse a atividade do denunciante, assim elevado à condição de protetor da sociedade. Como dizia o filme (“The Whistleblower”), “nada é mais perigoso que a verdade”.

Felizmente, a polícia francesa e holandesa (não sei se outras) resolveram na altura certa fazer cópias dos discos rígidos dos computadores de Rui Pinto. O próprio há-de ter também defendido os seus interesses – e por aí haverá alguma razão para estarmos um pouco mais descansados para a possibilidade do acervo ter mais material da dimensão e importância do chamado Luanda Leaks, cuja autoria Rui Pinto já assumiu. Avisou ele esta semana que “ainda há muita coisa que os portugueses merecem saber”, falando de vistos Gold, Escom e BES Angola, pelo menos.

Confesso-me é chocado com a hipocrisia da política portuguesa.

Sobre os Luanda Leaks, Isabel dos Santos, os roubos à Sonangol e ao povo angolano, mais o respetivo impacto na economia portuguesa, com a compra e venda de posições em variadas empresas, parece não haver nenhum problema de comentário para os atores partidários e governamentais. Sobretudo neste momento, quando Angola mudou de regime. Ou, dizendo de uma forma mais cautelosa, quando mudou as pessoas do regime. Conveniente e expressivo.

Só agora alguns líderes, como Catarina Martins, do BE, parecem acordar para a importância do assunto há muito agitado por Ana Gomes, sozinha numa primeira fase.

A comunicação social, e bem no caso Luanda Leaks, pegou no assunto que Rui Pinto colocou à disposição de um consórcio internacional de investigação e não deve abdicar de ter uma agenda própria, emancipada neste caso dos interesses e vontades de outros poderes, mesmo o judicial.

Não tenho este entendimento por causa da matéria relativa ao futebol – mas também aí gostaria de perceber melhor o valor da documentação reunida. Toda, e não só aquela que Rui Pinto andou a fornecer ao clube da sua preferência (FC Porto), e por este gerido a conta-gotas durante meses contra outro clube, o Benfica. Gostaria de ter acesso a tudo, sem divulgação seletiva nem alvo pré-definido, e ainda tenho esperança em ver isso acontecer.

A ilação a retirar deste caso, em desenvolvimento, é que a Justiça portuguesa nem sempre conta com os rancores do poder instalado. Há momentos em que este gosta das decisões. Já a posição da comunicação social deve ser sempre  assumir-se como contrapoder. Há momentos ingratos mas no final compensa sempre pelo reconhecimento supremo da cidadania. E passo bem sem mais uma conversa sobre o papão do populismo.