Num mundo de Web Summit, onde se fala de boca cheia de unicórnios quando no passado se revelava com timidez o intento de construir um pé-de-meia, a minha geração e outras mais velhas sentem uma nostalgia enorme de outros tempos.

Nesta semana morreu o Gilberto Braga. Um grande criador de telenovelas brasileiras, dos dias em que só tínhamos dois canais televisivos e ainda a preto e branco. Como oferta de entretenimento, comparada com os dias de hoje, era muito curta, mas aquelas novelas, “Escrava Isaura”, “Dancin’ Days”, “Vale Tudo”, “Dono do Mundo”, entre tantas que escreveu, tinham qualidade.

Naquela altura ninguém tinha de fugir dos canais informativos portugueses pejados de ESPONS (Especialistas de Porra Nenhuma) para a Netflix ou HBO, até porque não os havia (nem os canais e muito menos os ESPONS).

Lá nos idos dos anos 70 do século passado, o tal tempo da televisão a preto e branco, tivemos também uma fase de ingovernabilidade marcada por três governos de iniciativa presidencial, com Nobre da Costa, Maria de Lurdes Pintasilgo e Mota Pinto. É um risco que a decisão de eleições antecipadas nos pode trazer.

Até pode haver uma clarificação decorrente da ida às urnas que proporcione uma maioria absoluta ao PS ou PSD, mas é um cenário difícil de acontecer. Se tudo ficar num emaranhado político, Marcelo Rebelo de Sousa terá, contudo, muito que explicar.

E há algo sobre o qual reflecti neste espaço na semana passada que não tranquiliza muito qualquer português racional.

No dia em que se instalou a crise política, Marcelo decide ir, à frente das televisões, ao multibanco. E no dia em que toma a decisão sobre a data das eleições antecipadas, à frente das mesmas televisões, bate com o carro que conduzia. Por certo com Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio, Cavaco Silva, os anteriores inquilinos de Belém, nunca haveria tais espectáculos.

A Presidência da República não é um circo e o Chefe do Estado não deve ser apenas um mago das artes circenses.

Esta semana, um jornal trazia na primeira página: “Marcelo decide eleições debaixo de pressão”, como se houvesse um clima de terror. Vai para Belém quem se candidata a tal, e depois de lá estar deve saber que há dias de maior pressão e não apenas de “abracinhos” e “selfies”. É por isso que é a máxima figura do Estado. É ali que o silêncio e o recato devem presidir às decisões e não o gosto pelos microfones.

Recomendo a Marcelo o mesmo que já recomendei aos ouvintes do meu podcast, “Maquiavel para Principiantes”, aqui no JE. Que leia o último livro, póstumo, de John le Carré, “Silverview”. Ali reza assim: “De facto, o que é que se faz numa guerra, meu caro? Faz-se o possível para que ela termine, claro”.

Para lá da infindável guerra aberta nos partidos de direita com espectáculos absolutamente deprimentes, cabe a Marcelo ajudar a serenar o termómetro da política e não a elevar-lhe a temperatura.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.