O Estado, sempre o Estado

O Estado já não é o actor económico de outrora. O seu papel de empresário reduziu-se substancialmente mas a sua influência mantém-se por outras duas vias que consagram a atuação bipolar do Estado sobre a economia nacional. Atualmente, a ação do Estado como regulador e do Estado como cliente têm funcionado como elementos de pressão […]

O Estado já não é o actor económico de outrora. O seu papel de empresário reduziu-se substancialmente mas a sua influência mantém-se por outras duas vias que consagram a atuação bipolar do Estado sobre a economia nacional.

Atualmente, a ação do Estado como regulador e do Estado como cliente têm funcionado como elementos de pressão sobre a economia real e sobre as empresas.

O Estado-regulador age a coberto da lei e define o enquadramento jurídico no âmbito do qual se processam as distintas atividades económicas privadas, muitas vezes ouvindo pouco ou não ouvindo de todo os parceiros sociais ou, ainda, agindo, sem dúvida devido a um estigma de um certo passado, como se o setor privado fosse o adversário.

Acresce que o próprio processo legislativo em Portugal sendo prolixo, cada vez mais exigente e extremamente volátil, tem reforçado a panóplia de meios de intrusão do Estado na atividade privada e, pelo contrário, os instrumentos de compensação que o Estado coloca à disposição dos cidadãos e das empresas, nomeadamente o funcionamento da justiça, têm vindo tornar-se cada vez mais lentos e dispendiosos.

O Estado, através dos seus diferentes organismos, age sobre as empresas sob diferentes prismas, muitas vezes não coordenados entre si. Não raro, em particular em determinados setores mais regulados, as empresas são sujeitas à ação, normalmente não coordenada, de diferentes tipos de organismos cujas exigências crescentes implicam um esforço permanente de acompanhamento e consequentemente um aumento dos custos de processo e de estrutura que contribuem para dificultar a, já difícil, vida das empresas portuguesas.

Existe, por parte desses organismos de controlo e inspeção, uma certa vontade sancionatória, talvez por pressão para a obtenção de resultados que, na lógica da bipolaridade do Estado, ignora as perdas, a jusante do processo económico, infligidas ao próprio Estado pela redução dos resultados das empresas.

A consequência sobre as empresas, deste tipo de ação regulatória, bem como da pressão fiscal é em muito semelhante ao efeito da atual pressão fiscal sobre a classe média, sendo as empresas de pequena e média dimensão, cumpridoras das exigências legais, as mais prejudicadas.

No entanto, estas dificuldades causadas às empresas, algumas normais e até compreensíveis, outras resultantes da ineficiência da máquina do Estado, poderiam ser compensadas pela atuação exemplar do Estado-cliente. Ora, infelizmente, tal não sucede.

O Estado-cliente está longe de ser exemplar. Com a justificação da crise económica e financeira, e em alguns casos com a atitude de quem considera as empresas privadas um adversário, o Estado tem vindo a exercer cada vez mais pressão sobre estas, quer pela dupla via do quase abuso, na sua qualidade de cliente, de uma posição dominante, quer pela via dos pagamentos aos seus forncedores.

Se alguma evolução positiva se registou em matéria de pagamentos aos seus fornecedores, e por evolução positiva não se quer dizer resolução efetiva do problema, ao nível da utilização da sua posição dominante a situação tem vindo continuamente a piorar.

A centralização dos procedimentos e dos processos relativos aos concursos públicos e a concentração dos mesmos têm conduzido a uma lógica absolutista de dominação pelo preço mais baixo, mesmo em setores onde o Estado deveria exigir diferenciação pela qualidade.

Também aqui, são as empresas “de classe média” as mais penalizadas. Esta atuação potencia o surgimento de empresas fornecedoras que fazem de tudo, desde o incumprimento normativo até à deficiente qualidade do produto ou serviço, para corresponder ao preço fixado pelo Estado.

É, neste momento, que se manifesta, em toda sua extensão, a bipolaridade do Estado. O Estado que exige legisla, que define normas cada vez mais exigentes, que reforça a sua ação de fiscalização com mais organismos e mais eficazes, que produz recomendações de melhores práticas, é o mesmo Estado que, como cliente, na sanha do baixo preço, induz as empresas ao incumprimento dessas normas e recomendações.

Resolva o Estado esta situação, que pague melhor e exija melhor, e não somente menos, e a necessidade de investimento direto na economia diminuirá substancialmente, contribuindo a sua atuação para um tecido empresarial mais sólido e saudável.

Jorge Silva Carvalho
Consultor especialista em inteligência competitiva, segurança e estratégia

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