Portugal, o quinto país mais envelhecido do mundo, enfrenta os desafios associados à redução do total de residentes e ao facto de apresentar uma estrutura etária triplamente envelhecida. O número de jovens tem vindo a diminuir, o de idosos tem aumentado, o de adultos que sai do mercado de trabalho supera o que nele entram. Um em cada cinco residentes tem mais de 65 anos e destes é cada vez maior a percentagem dos maiores de 75.

 

 

Envelhecimento não significa maior despesa em saúde

Nunca vivemos tanto. Os números inquietam e explicam a conotação negativa que persiste em relação à forma como olhamos as consequências do fenómeno de envelhecimento, esquecendo que o mesmo reflete conquistas inegáveis em termos de bem-estar e desenvolvimento. Esquecemos também que é possível viver mais tempo e com mais saúde, fator que pode reduzir o peso do setor nos orçamentos do Estado e das famílias, estas ultimas a serem chamadas a contribuir cada vez mais. Num contexto recessivo da força ativa, que é a que hoje mais contribui para o sistema, discute-se o acréscimo que as mutações observadas nos grupos etários poderão ter nos custos com saúde e proteção social.

É forçoso que uma sociedade envelhecida registe maior procura de apoio de cuidados continuados, serviços profissionais e medicamentos, criando uma pressão acrescida no sistema. O aumento dos gastos em saúde coincidiu com o aumento da esperança de vida e o envelhecimento, mas continua por provar se existe um efeito causal entre os dois vetores da equação e, a existir, de que despesa, alocação de serviços específicos e programação de equipamentos falamos. O investimento hoje pode representar amanhã uma poupança. A alteração do perfil educacional dos mais velhos dificilmente será determinante na gestão nacional da despesa em saúde, embora possa gerar uma redução do consumo e uma gestão individual mais eficaz do binómio saúde-doença.

A relação entre envelhecimento demográfico e saúde não é linear e muito menos consensual. Os autores dividem-se sobre o impacto económico do fenómeno e os ajustamentos necessários em termos do apoio ao individuo e às famílias. Os gastos envolvem custos diretos e indiretos e variam com o estado de saúde da população considerada, o que explica a mais-valia da prevenção e da formação. Associada a novos recursos tecnológicos ao dispor dos utentes poderá criar um sistema de saúde mais flexível e barato. Duas ideias a reter: os custos do envelhecimento da sociedade podem ser esbatidos pelo aumento da probabilidade de envelhecer saudável e no futuro seremos mais velhos e com melhores hábitos e informação; grande parte da despesa com saúde ocorre nos dois últimos anos de vida (teoria do red herring) pelo que o aumento esperado da vida irá adiar os custos em prestação de cuidados de saúde, dando tempo para que os avanços da pesquisa reduzam o grau médio de dependência e tornem o acesso a cuidados mais simples, barato e eficaz.

Que saúde temos, queremos e podemos ter?

Compreender o quadro global do setor da saúde implica separar questões financeiras e sustentabilidade e problemas na sua prestação. Devemos falar da saúde que temos, em termos individuais e de sistema de prestação de cuidados, mas não esquecer que as necessidades mudarão. Num quadro onde são sempre escassos os recursos materiais e humanos, há que perceber hoje quais as prioridades a assumir em matéria de decisão política e de edificação de um sistema compreensivo e articulado entre os múltiplos intervenientes, mas a pensar no futuro. Haverá que ajustar o sistema de saúde para garantir a qualidade dos serviços e a facilidade e equidade de acesso, o que torna necessário articular desde hoje o envolvimento conjunto das entidades financiadoras, dos prestadores de serviços e dos cidadãos.

Muito terá de mudar. Mais que investimentos significativos, o impacto do envelhecimento exige a reafectação de verbas e investimento em serviços e recursos especializados em função da mudança de perfil da morbilidade. Queremos serviços de qualidade socialmente justos, apropriados, sustentáveis e regionalmente ajustados, independentemente da conjuntura económica e politica, adequados as necessidades individuais e que garantam uma plataforma comum de prevenção, acesso e tratamento, independentemente da idade, rendimento, local de residência. Uma política pensada com base nas especificidades reais da população, das características do território e do perfil epidemiológico, a efetiva implementação legislativa, baseada na transparência e no assumir das responsabilidades por parte das instituições e dos profissionais, contribuirá para a sustentabilidade económica e financeira do sistema de saúde e para garantir a todos os desejados padrões de saúde e qualidade de vida.

Embora se reconheça que os cidadãos são cada vez mais aptos para terem um papel ativo na sua saúde, certas funções continuarão forçosamente a ter de ser asseguradas por profissionais. Os serviços de saúde já não conseguem responder com a desejada eficácia em termos de proximidade, o que sobrecarrega os serviços centralizados e há muito a fazer na esfera dos cuidados continuados, paliativos e de reabilitação, que serão cada vez mais necessários e complexos, envolvendo trabalho de equipa explicado pelo aumento da variedade e complexidade das patologias. Porém, há que evitar o discurso fácil de que “que tudo vai mal no Reino da saúde” e lembrar o que corre bem, mesmo que passível de melhoria. É bom saber que continuamos a ser um País onde se vive muitos anos. Resta garantir que o fazemos com a melhor qualidade possível. Para tanto, há que criar novas dinâmicas de interligação e capacitar intervenientes não tradicionais. A garantia de saúde envolve responsáveis políticos, entidades financiadoras, prestadores de serviços, famílias e também cada um de nós.

Educar para a saúde: é necessário mudar atitudes e comportamentos?

No mundo real, em profunda mudança e onde o Estado-providência está fragilizado, o direito à saúde continua a ter de ser defendido. Mas há que combater a lógica de que compete ao Estado garantir todos os cuidados de saúde. O direito à saúde não resulta apenas do funcionamento adequado do sistema de saúde, definido e suportado em larga medida pelo Estado. Deve ser mais ambicioso e refletir a capacidade intrínseca da sociedade como um todo para se agregar em torno de um objetivo comum. Trata-se de garantir saúde e apoio na doença a todos, não apenas na lógica reativa de prestação de serviços, mas criar condições para que todos possam aceder aos tratamentos necessários para ter boa saúde e evitar comportamentos de risco e, por essa via, a doença. Não podemos menosprezar ou eliminar as formas tradicionais de solidariedade comunitária e sobretudo o papel da família, a qual, no entanto, pode em determinados casos precisar de apoio para desempenhar o seu papel.

Da abordagem abrangente da situação portuguesa sugerem-se três linhas de atuação estratégica. As duas primeiras passam por reorganizar o sistema de saúde (controlar os fatores que geram a procura excessiva de cuidados de saúde ou a preços demasiado elevados) e mudar os comportamentos de consumo (garantir que todos os cuidados prestados são efetivamente essenciais para o tratamento pedido). A terceira, não menos importante, passa por educar para a saúde, mudando, nomeadamente, comportamentos coletivos e individuais de risco. A noção de que vivemos uma era de mudança tem de ser acompanhada da informação necessária para garantir que sabemos o que mudar e como. Tal objetivo implica a educação para a saúde, e é este investimento que verdadeiramente permite a passagem de uma lógica de quantidade de vida para a lógica de qualidade de vida.

É certo que todos serão tendencialmente mais qualificados ao nível da formação escolar, com maior acesso e capacidade de processamento da informação, com diferentes hábitos e estilos de vida quotidiano (também consequência de melhor informação) e com níveis de rendimento tendencialmente superiores aos atuais. Mas nenhum destes aspetos poderá influenciar positivamente os níveis de morbilidade se não houver a montante um esforço de transmissão de melhores hábitos, comportamentos e informação.

No futuro próximo os portugueses serão diferentes e mais capazes de ajudar a sua saúde, caso se efetive um esforço de educar em matéria de saúde individual e coletiva. Há que formar cidadãos economicamente produtivos, política e socialmente participativos e proativos, o que acarreta direitos e também deveres, que podem em larga medida conter a resposta para o aligeirar da tão temida pressão sobre o sistema nacional de saúde gerado pelo envelhecimento da pirâmide etária.

Enfrentar os desafios colocados pelo envelhecimento implica identificar as particularidades do envelhecimento individual e encontrar respostas holísticas de apoio, que deverão ser oferecidas a par da tradicional prestação de cuidados de saúde. Mas até lá chegar muito terá de mudar e essa mudança passa por todos e cada um de nós.

Teresa Rodrigues assina este texto na qualidade de autora do ensaio “Envelhecimento e Políticas de Saúde”, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.