“O graffiti potencia o envelhecimento ativo”

Arquiteta de formação, Lara Seixo Rodrigues é mentora do Wool – Festival de Arte Urbana e do projeto Lata 65. Este último tem incentivado a população sénior em Lisboa a pintar os muros da cidade. Afinal, “a idade é só um número”, explica a artista. Como surgiu a ideia de desenvolver o projeto Lata 65? […]

Arquiteta de formação, Lara Seixo Rodrigues é mentora do Wool – Festival de Arte Urbana e do projeto Lata 65. Este último tem incentivado a população sénior em Lisboa a pintar os muros da cidade. Afinal, “a idade é só um número”, explica a artista.

Como surgiu a ideia de desenvolver o projeto Lata 65?
Surgiu de forma curiosa e rápida, numa mesa de café com o Fernando Mendes, do Cowork Lisboa, na LX Factory. O Fernando é um seguidor do trabalho do Wool – Festival de Arte Urbana da Covilhã, e eu já tinha comentado com ele que, durante o festival, as pessoas, sobretudo as mais idosas, ficam horas a seguir o trabalho dos artistas. Numa outra conversa tive a oportunidade de lhe mostrar um projeto no norte da Europa, de uma assistente social que formara a sua crew e pintava há meses com eles na rua. O Fernando desafiou-me a fazer algo parecido, e em 15 dias montámos [o Wool e uma equipa alargada do Cowork Lisboa] tudo para o primeiro workshop de arte urbana para idosos, a que chamámos Lata 65 – lata, pelo material e pela “lata” que é preciso ter para ir pintar para a rua, e 65 por ser, à data, a idade da reforma).

Quais os objetivos?
O primeiro Lata 65 construiu-se com base em vontades: de levar este interesse pela arte urbana mais além; de provar que conceitos como o envelhecimento ativo e a solidariedade entre gerações fazem cada vez mais sentido; de demonstrar que a arte urbana tem o poder de fomentar, promover e valorizar a democratização do acesso à arte contemporânea; de aproximar os menos jovens a uma forma de expressão artística habitualmente associada aos mais jovens; de demonstrar que a idade é só um número.

Em que consiste este programa?
O Lata 65 desenhou-se por módulos, um primeiro mais teórico, onde os idosos aprendem um pouco da história e dinâmica do Graffiti e da Arte Urbana, os seus suportes e técnicas. O seguinte, em que cada idoso cria o seu tag (nome de rua) e desenvolve o projeto (desenho) que irá replicar na parede. O módulo seguinte recai sobre a aprendizagem da técnica do stencil, desenho e corte de moldes que serão usados na parede, que é o último módulo, onde os alunos podem experimentar à vontade pintar em spray e usar todo o material desenvolvido anteriormente.

Com que tipo de apoios conta?
O primeiro Lata 65 contou com o apoio de alguns artistas urbanos (Adres, Tosco e Miguel Januário) enquanto formadores, da Montana Shop Lisboa, que nos cedeu as latas de spray e, obviamente, do Cowork Lisboa, onde decorreu todo o workshop. Concretamente, estas ações que estamos a desenvolver, pelas Juntas de Freguesia, resultam da nossa candidatura e eleição ao Orçamento Participativo de Lisboa em 2013. Quando terminámos o primeiro Lata 65, em novembro de 2012, o desejo era arranjar forma de repetir, de replicar o projeto. O Orçamento Participativo pareceu-nos uma ótima ideia e, “chateando” muita pessoas para votarem no projeto, lá conseguimos alcançar o objetivo.

Quanto tempo duram estes workshops de arte urbana?
Os workshops que estamos a levar a cabo em Lisboa são de dois dias, 4 horas cada. Mas o que recomendamos são de três dias (4 horas cada), porque permite um trabalho mais ritmado (ao ritmo do aluno) e de maior compreensão e maior eficácia nos resultados, tanto práticos como de conceitos.

É fácil desmitificar alguns estigmas sobre este tipo de arte em pessoas com ideias e opiniões já tão definidas?
No início dos workshops surgem muitas vezes dois tipos de comentários: “são uns rabiscos nas paredes” ou até “são bonitas aquelas paredes”. Em Lisboa, muitas vezes fazem comentários sobre os murais de mensagem política e social do 25 de Abril, das suas lembranças. É um conhecimento ingénuo e limitado, mas que denota sempre enorme curiosidade. É neste ponto que a parte inicial do workshop é muito importante, porque lhes permite um aprofundamento de ideias, o esclarecimento de dúvidas, a compreensão daquilo que veem na rua diariamente. Desmistificam-se muitos preconceitos associados a estas expressões artísticas de rua. E com a segunda parte do workshop, mais prática, eles entendem, literalmente, o esforço, o trabalho duro necessário para pintar uma parede.

É o primeiro projeto que desenvolve com pessoas desta faixa etária?
Não. Tentámos desenvolver, com uma amiga, um projeto que envolvia novos designers, idosos e a prática de tricô. Tudo se mostrou bastante difícil, principalmente a motivação (ou falta dela) por parte dos idosos em fazer uma atividade que lhes é quase diária ou habitual. Um cenário bastante diferente do que encontrei ao desenvolver o Lata 65.

É surpreendida muitas vezes pela criatividade destes alunos?
Sempre! Em todos os grupos com que trabalhei. Não posso deixar de falar na maior surpresa, que se mantém até hoje como o exemplo maior do que é o Lata 65 e um exemplo pessoal a seguir. Falo de Luísa Cortesão, uma aluna do primeiro workshop (2012) que, desde então, começou a pintar na rua com os seus próprios desenhos e stencil e já não parou. Como ela afirma, “é aquilo que hoje lhe dá uma razão de viver”, pelo divertimento. É ela que igualmente nos ajuda nos workshops!

Realizaram recentemente um workshop do Lata 65 em Carnide. Para quando os próximos?
O próximo workshop será em Benfica, a 26 e 27 de janeiro, na Junta de Freguesia. As Juntas de Freguesia da Penha de França e do Lumiar já demostraram interesse em ter o Lata 65, mas ainda não estão agendadas datas. E todavia “sobram” muitas vagas para mais Juntas solicitarem à GAU (Galeria de Arte Urbana), que está a gerir o projeto internamente na Câmara Municipal de Lisboa, a marcação do workshop. Espero que não percam esta oportunidade!

Qual o balanço que faz dos cerca de dois anos de projeto?
A verdade é que nunca foi ideia primária continuar com o Lata 65 após o primeiro workshop. Mas descobri que é algo que me dá imenso prazer. Partilhar a minha paixão pela arte urbana com grupos de velhinhos (como os chamo carinhosamente) que se apresentam sempre com uma enorme vontade de aprender e de se divertir, ao ponto de se converterem em crianças e olharem com outros olhos para a sua cidade. Depois da primeira edição, o desafio foi encontrar formas de continuidade do projeto, de mostrar a sua validade enquanto atividade potenciadora de um envelhecimento ativo. Felizmente temos observado essa aceitação e apoio. Fomos convidados para apresentar o Lata 65 em seminários de gerontologia e em Escolas Superiores de Educação. Vimos o projeto reconhecido por outros agentes deste universo da arte urbana, como nos festivais Walk & Talk, nos Açores, e Push Porto, na Invicta, ou pela mítica fotógrafa Martha Cooper. Creio que foram dois anos e dois meses de muito trabalho, muitas conquistas, que esperamos que nos tragam ainda mais possibilidades de levar o Lata 65 a mais e mais idosos.

Tem vontade de desenvolver mais projetos para este público?
Para já creio que não, somente porque acho que o Lata 65 ainda tem muito a oferecer. A cada novo grupo, com as suas especificidades, a formação desenvolve-se de maneira diferente. Estamos a trabalhar algo em que não existe parâmetro de comparação. É uma descoberta diária para nós.

Quando tiver a idade destes alunos, imagina-se a pintar muros?
Claro! A pintar ou a colocar a pintar!

 

Sucessão de formatos
Lara Seixo Rodrigues nasceu em 1979 na Covilhã. Em 1997 entrou no curso de Arquitetura, na Universidade Técnica de Lisboa.
Com um ateliê próprio de arquitetura desde 2004, sempre se interessou por outras áreas artísticas, e a sua incapacidade de estar parada levou-a à procura e à criação de outros projetos. A sua paixão pelo graffiti e pela street art sempre existiu. O associar desta paixão ao orgulho em ser serrana fez surgir, em 2011, o Wool – Festival de Arte Urbana da Covilhã e desde então toda uma sucessão de novos formatos, em novas geografias, trabalhando diretamente para novos públicos, sendo o Lata o maior (e mais emocionante) exemplo.

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