O homem vestido de branco

Verdadeiras ou não, as profecias de S. Malaquias sobre os papas que existiriam até ao fim da Igreja de Roma há muito que fazem parte do nosso imaginário. Supostamente, o texto original data de 1140, altura em que o monge irlandês, S. Malaquias, alegadamente o teria entregado ao papa Inocêncio II, mas só foram tornadas […]

Verdadeiras ou não, as profecias de S. Malaquias sobre os papas que existiriam até ao fim da Igreja de Roma há muito que fazem parte do nosso imaginário. Supostamente, o texto original data de 1140, altura em que o monge irlandês, S. Malaquias, alegadamente o teria entregado ao papa Inocêncio II, mas só foram tornadas públicas em 1595. Na prática são textos genéricos que podem encaixar-se em qualquer pessoa, pelo que os detratores sustentam terem sido inventadas para tentar influenciar o resultado do conclave de 1590. Durante séculos, os nossos antepassados puderam olhar para as profecias com a ligeireza que se lhes era permitida, pois S. Malaquias previa que, desde 1143, altura da eleição do papa Celestino II, iria haver 112 papas até à destruição de Roma. Eram mais de cem nomes que se foram distribuindo ao longo dos séculos seguintes. Até que, no dia 13 de Março de 2013, há cerca de dois anos, foi eleito em Roma o papa 112, aquele que será o último papa das profecias: Francisco.
Acredite-se ou não que estaremos perante o papa que representa o fim da Igreja de Roma – o tal que veio do “fim do mundo”, conforme as primeiras palavras de Francisco quando se apresentou ao povo de Roma -, o certo é que este papa tem tido um papel mediático como há muito que não se via. Durante os primeiros meses falou em defesa dos direitos dos homossexuais, deu indicações de mudanças nos negócios do Banco do Vaticano, tornou-se num caso sério de popularidade fazendo-nos esquecer rapidamente do trabalho de Bento XVI, o sucessor de João Paulo II que, entretanto, renunciara ao cargo.
Francisco dizia, por exemplo, que as pessoas não deviam gritar pelo seu nome quando o saudavam. Deviam gritar pelo nome de “Jesus”, pois ele representa Jesus na terra. É o sucessor de Pedro que, por sua vez, teria recebido de Jesus a tarefa de ser a pedra fundadora da sua Igreja após a morte na cruz. Uma morte para salvação dos nossos pecados, assim se ensina na catequese.
Depois do ataque armado às instalações do jornal satírico francês “Charlie Hebdo”, provocado pelas caricaturas ao profeta Maomé, o papa Francisco disse aos jornalistas que o acompanhavam na viagem de avião às Filipinas que a religião não deve defender a violência em nome de Deus, mas se alguém ofendesse a sua mãe, poderia esperar um murro na cara. Esta afirmação caiu como um murro no estômago.
É humano reagir a um insulto, a uma agressão verbal ou física. Ação provoca reação e a história do mundo, da vida política e económica é hoje toda ela construída na base das reações a acontecimentos de tempos que já nem nos lembramos ou éramos sequer vivos, mas cujos efeitos estamos ainda a experimentar.
O papa Francisco lembrou-nos que é um mero ser humano e, como ser humano, Francisco tem direito a bater em quem insulta a sua mãe. No entanto, como representante de Jesus na terra, poderia ter dito aquelas coisas da catequese. Defender que, depois de alguém nos insultar, cuspir na cara ou dar-nos um murro, deveríamos dar-lhe a outra face. Poderia também dizer que a melhor resposta a um insulto à nossa mãe seria dizer algo como: “Eu perdoo-te irmão, pois também deves ter uma mãe que te ama”.
Houve na história passada um homem vestido de branco que dizia que a violência não era a solução contra a injustiça ou os insultos à nossa mãe. Mas esse não era um papa. Não era Francisco. Usava roupa branca, sim, mas chamava-se Ghandi.

Frederico Duarte Carvalho
Jornalista e escritor

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