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O impacto das recentes alterações do Código do Trabalho no âmbito do trabalho em plataformas digitais

Não obstante considerarmos que é sempre um passo positivo a regulação do trabalho em plataforma digital no Código do Trabalho, assiste-se com alguma preocupação o facto de não ter sido levado em consideração os elementos relacionados com a flexibilidade, autonomia e dinamismo associados a este tipo de trabalho e que criaram vastíssimas oportunidades de emprego e integração a um conjunto alargado de profissionais que, a não existirem plataformas digitais, hoje provavelmente estariam numa situação de desemprego ou inatividade.
11 Maio 2023, 07h15

A passada segunda-feira ficou marcada pela entrada em vigor das novas alterações ao Código do Trabalho que, como já tem sido amplamente discutido e falado, terá um impacto significativo sobre a vida das empresas e dos portugueses.

Não obstante, um dos temas que poderá produzir mais impacto e, até mesmo, consubstanciar-se, como uma mudança de paradigma tem a ver com o trabalho em plataformas digitais.

Nos tempos recentes os portugueses (eu próprio incluído) foram adotando de forma massificada o uso das plataformas digitais, como forma de adquirir serviços que pretendemos.

Com efeito, são cada vez mais as pessoas que usam plataformas digitais como a Uber, a Bolt entre outras, como forma de transporte, que usam a Kolmy, Uber Eats e Glovo para receber na comodidade das suas casas refeições já confecionadas, mas para além destas, existem uma panóplia de outras plataformas digitais que se destinam a fornecer serviços tão variados como lavagem de carros, reparações domésticas, programação e transcrição digital e até mesmo serviço de empregada doméstica (veja-se o caso da app Weclin, por intermédio da qual se podem fazer limpezas domésticas e lavagem e engomar de roupa ao domicílio).

Toda esta realidade representa que, hoje em dia, já existem milhares de pessoas que exercem as suas atividades e auferem os seus rendimentos mensais por via de plataformas digitais, razão pela qual, por um lado é plenamente justificada a regulação desta forma de trabalhar junto do nosso Código do Trabalho.

As alterações ao Código do Trabalho ora introduzidas basicamente introduzem uma presunção de existência de contrato de trabalho sempre que se verifiquem um conjunto de requisitos, a saber: (i) a plataforma fixa a retribuição ou fixa limites mínimos ou máximos para os serviços; (ii) quando é exercido o poder de direção ou fixadas regras específicas quanto à apresentação do prestador da atividade; (iii) quando a prestação da atividade é controlada e supervisionada pela plataforma (ou seja quantas viagens fez os níveis de satisfação dos clientes – sistema de feedback por estrelas); (iv) se a plataforma restringe a possibilidade de escolha dos clientes ou de prestar a atividade a terceiros por via da plataforma ou (v) se os equipamentos pertencem à plataforma ou são explorados por esta em regime de contrato de locação.

Apesar da presunção da existência de contrato de trabalho poder ser afastada, nos casos em que se considere a verificação dos requisitos e, consequentemente, da existência do contrato de trabalho aplicar-se-ão as normas previstas no Código do Trabalho que sejam compatíveis com a natureza da atividade desempenhada pelos prestadores de atividade em plataformas digitais, nomeadamente o disposto em matéria de acidentes de trabalho, cessação do contrato, proibição do despedimento sem justa causa, remuneração mínima, férias, limites do período normal de trabalho, igualdade e não discriminação.

Não obstante considerarmos que é sempre um passo positivo a regulação do trabalho em plataforma digital no Código do Trabalho, assiste-se com alguma preocupação o facto de não ter sido levado em consideração os elementos relacionados com a flexibilidade, autonomia e dinamismo associados a este tipo de trabalho e que criaram vastíssimas oportunidades de emprego e integração a um conjunto alargado de profissionais que, a não existirem plataformas digitais, hoje provavelmente estariam numa situação de desemprego ou inatividade. Caberá agora à sensibilidade e bom senso das partes envolvidas e das autoridades de fiscalização não “matar a galinha dos ovos de ouro” do trabalho em plataforma digital.

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