O intervalo no curso da História que se abriu em 1989/1991 terminou com estrondo neste primeiro trimestre de 2022 com a invasão russa do território soberano da Ucrânia. Ainda é cedo para saber os contornos concretos que emergirão desta gravíssima crise europeia, mas ainda assim é evidente que, do ponto de vista estratégico, a Federação Russa será a grande perdedora de uma “guerra de escolha” que desencadeou com base num evidente erro de avaliação.

De facto, a elite russa nunca esperou uma resposta política tão enérgica contra si e com sanções financeiras tão duras. Olhando para o passado, a regime oligárquico russo pensou que os seus bens parqueados nos EUA, no Reino Unido e na Europa, em geral, estavam a salvo. (A este propósito, recomendo, se me é permitido, a leitura dos mais recentes livros de Casey Michel e Oliver Bullough sobre a penetração dos interesses da cleptocracia russa nos EUA e Reino Unido.)

Porém, a reação Ocidental, em parte determinada pela mobilização das opiniões públicas, ultrapassou todas as expectativas, levando a um isolamento russo ao qual nem a China poderá valer de forma eficaz.

Confrontado com o falhanço evidente, resta a Vladimir Putin encontrar no terreno, e do ponto de vista militar, as condições que lhe permitam, política e diplomaticamente, sair do buraco em que se colocou. Em todo o caso, independentemente do acordo a encontrar, é por demais evidente que o resultado final será desastroso para os interesses russos.

Como nota o professor Michael Beckley, num ensaio publicado na revista “Foreign Affairs”, não há nada como um inimigo comum e um sentimento agudo de ameaça para consolidar uma ordem internacional. À China se pode agradecer, numa primeira instância, o contributo para forjar uma nova ordem internacional. À Rússia, acrescento, devemos agradecer também o impulso para enquadrar esta disputa em termos de uma rivalidade sistémica entre regimes democráticos e autocráticos.

Não haja ilusões. Esta competição terá enormes custos de curto prazo, nomeadamente no âmbito da defesa ou da reformulação da globalização tal como a conhecemos, mas é o preço inevitável a pagar para evitar custos ainda maiores no futuro.

Resta perceber que lugar estará reservado para Portugal na futura ordem mundial. Numa primeira reflexão, é minha convicção que a revalorização das relações transatlânticas joga a nosso favor, por motivos óbvios e que se prendem com a nossa localização geográfica. Aliás, essa mesma posição geográfica coloca-nos também numa situação privilegiada para jogar um papel potencial na arquitetura europeia de segurança energética. A isto acresce que a própria reformulação da globalização, com as inevitáveis alterações nas cadeias de produção e de logística, não será seguramente desfavorável ao nosso interesse nacional.

As crises e a mudança são sempre, em simultâneo, momentos de oportunidade e de potencial transformação. Assim saibamos nós tirar partido dos eventos em curso.

Termino com uma saudação especial aos deputados à Assembleia da República que tomaram posse esta semana. Desejo-lhes votos sinceros de bom trabalho e apelo a que nunca percam de vista aquilo que verdadeiramente importa: o bem comum e a melhoria de vida dos portugueses.