Foram precisas três décadas desde a última vez em que o tesouro da Casa Real esteve exposto – a primeira exibição decorreu na década de 50 com acesso restrito –, para que, enfim, se construísse um museu dedicado a este espólio, por tanto tempo oculto do público.

Não terão sido os custos a justificar tal demora, pois o Museu do Tesouro Real não orçou mais que uma meia dúzia de quilómetros de autoestrada, mas o escasso valor que entre nós se dá à cultura e ao património, a par da tendência, também ela uma espécie de património nacional, para a indecisão e o adiamento na execução de obras, que tem no dito popular “as obras de Santa Engrácia” a sua expressão emblemática.

O Palácio da Ajuda, onde o Museu foi instalado, é, ele mesmo, uma metáfora de pedra lioz dessa inclinação portuguesa. Após a destruição do Paço da Ribeira pelo terramoto e o incêndio que se lhe seguiu, a família real foi habitar um palácio de madeira erigido numa propriedade régia na Ajuda. Sem a dignidade adequada para alojar o soberano, palco de uma corte sem brilho, em que “nenhum esplendor ou exibição pública do Estado era mantida pelo Rei de Portugal” como notou o inglês Wraxall, o edifício destinava-se a morada provisória, mas foi residência real durante quatro décadas, até à sua destruição pelo fogo em 1794.

À falta de empenho do Rei D. José na edificação de um novo palácio de sólida construção, por temer a ocorrência de mais abalos sísmicos intensos, somou-se a indecisão no reinado seguinte. Sabe-se que D. Maria I mandou consultar o embaixador de França, marquês de Bombelles, acerca da contratação de um arquitecto francês para projectar um novo palácio, mas acabaram por ser as circunstâncias a forçar o propósito; reduzida a cinzas a Real Barraca da Ajuda, ordenou enfim o príncipe D. João, que desde 1792 substituíra sua mãe no Governo, a edificação de um paço real.

As convulsões políticas que o país viveu nas primeiras três décadas do Séc. XIX e o crónico problema da falta de meios financeiros, ditaram que as obras ficassem incompletas, sendo erigido apenas um terço do edifício, permanecendo o lado poente do paço com um aspecto de ruína.

D. Luís, o único monarca que habitou o palácio, também não deu progresso às obras. Face aos constrangimentos financeiros da Casa Real, cujos rendimentos permaneceram congelados durante toda a monarquia constitucional e, ainda assim, sujeitos a críticas, como lembra Eça de Queiroz, que referia ser a Família Real criticada quer “pelas despesas que faz [quer] pela pobreza em que vive”, o monarca teve somente meios para decorar a casa e apetrechá-la dos confortos característicos da segunda metade da centúria de oitocentos.

Abandonado pela viúva de D. Luís, D. Maria Pia e pelo seu segundo filho, o infante D. Afonso, na sequência da proclamação da República, o edifício permaneceu sem conclusão até ao presente século. Somente ao fim de quase duzentos anos foi o palácio rematado e, ao fim de 30, instalado o museu, resolvendo-se de uma só vez duas empreitadas que demoraram muito tempo, demasiado tempo.

O povo português, habituado a tais avanços e recuos, costuma dizer, num misto de resignação e de optimismo, “que mais vale tarde que nunca”, adágio popular que se aplica perfeitamente neste caso. Até que enfim!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.