Paira no ar uma inquietação com um eventual movimento de desglobalização. O clima de guerra comercial que se manifesta nas tensões crescentes entre EUA e China é talvez o principal responsável.

Mas a alteração que agita as opiniões dos economistas é o regresso certo da política orçamental, que nas palavras de Adair Turner fora diabolizada pelo crescimento da dívida e que ressurge como a solução para todos os males. Ao capitalismo de Estado chinês cujo predicado é a despesa pública, vieram juntar-se a Europa com os seus titânicos planos de recuperação e resiliência em resposta à crise causada pela Covid-19 e, mais recentemente, os EUA com o radical Inflation Reduction Act, que lançou a discórdia em Davos.

As reações negativas ao novo intervencionismo estatal não se têm feito esperar. Martin Wolf acusa o toque num dos seus últimos artigos no “Financial Times” que principia com um cáustico “We are all interventionists now”. Para Wolf, o protecionismo que assola as economias dominantes e que assume a forma de apoio a sectores e indústrias é uma ameaça à troca global, sendo os riscos desta conduta maiores do que os ganhos esperados.

A revista “The Economist” já adotara o mesmo estilo, ao classificar de ambicioso, arriscado e egoísta o esforço de Joe Biden para retomar a atividade económica através do combate às alterações climáticas. A palavra dirigismo é recuperada em tom de crítica nestas apreciações.

Em novembro passado, ao analisar estado da globalização, o McKinsey Global Institute oferecia um cenário mais otimista, considerando que vivemos num mundo interdependente que será difícil desconectar, mas avisando que há uma reconfiguração das ligações globais. Na mesma linha, um estudo de janeiro do FMI alertava para os riscos de uma fragmentação geopolítica que poderia conduzir a uma contração do PIB mundial em 7% e no extremo em 12%, caso a cisão entre países implicasse o fim da cooperação tecnológica.

Se os danos causados pela desglobalização são o risco a que estes autores se referem, na verdade parecem estar sobretudo desconcertados com o novo velho normal da política económica internacional – o regresso da atuação discricionária dos governos. O mundo dito avançado parece ter-se coordenado para abandonar o paradigma de uma política monetária dominante conjugada com uma política orçamental e fiscal secundarizada, e abraçar um modelo em que a primeira é o amortecedor e a segunda é protagonista.

A subida dos preços veio dar um impulso a esta mudança de regime permitindo, por um lado, uma inflexão da política monetária que reassume o seu papel convencional e o exerce para refrear a economia, leia-se, controlar a inflação e, por outro, relembrar uma lição entretanto esquecida – que a inflação é um aliado importante para combater o défice e a dívida públicos, os tradicionais obstáculos ao ativismo da política de estímulo orçamental.

O novo normal é afinal o regresso a uma velha prática – reconhecer a superioridade da política orçamental e da discricionariedade como forma de combater as recessões ao invés de confiar cegamente nas capacidades da política monetária que já deixou bem patente as suas limitações. O novo normal é também velho nos seus protagonistas – as economias avançadas, os bastiões do liberalismo, são os que mais facilmente se vergam perante o apelo intervencionista.