No dealbar da pandemia de Covid-19, a política fiscal teve um papel modesto. A prioridade então era preservar a tesouraria e assegurar o acesso à liquidez às empresas, para defender o emprego e suportar o consumo privado. Além das moratórias, faseamentos e pagamentos a prestações que se poderia fazer por via da política fiscal. Era preciso medidas com efeito (quase) imediato.

Porém, seis meses volvidos já percebemos que a crise vai ser duradoura – vários anos – mais profunda. As medidas de apoio à tesouraria também se revelaram menos eficazes que o esperado para evitar uma taxa de desemprego a rondar os dois dígitos. Entretanto, também ao contrário do pretendido, as famílias trocaram o consumo pela poupança. Mas mais grave, uma percentagem substancial do emprego perdido e dos negócios encerrados desapareceram para sempre. Alguns simplesmente não terão lugar na economia pós-pandemia.

A crise acelerou a digitalização da economia e com ela a necessidade de requalificação dos recursos humanos. Paradoxalmente, a alteração estrutural das cadeias de abastecimento veio revalorizar e acelerar a inovação em sectores tradicionais, como a produção agrícola, a energia limpa, a saúde, e reabilitar a indústria em detrimento dos serviços, do transporte e do turismo de massa.

A política fiscal tem (sempre) um papel fundamental no apoio à recuperação e renovação do emprego e da economia em geral. O OE 2021, cujo processo de aprovação na Assembleia da República é contemporâneo ao lançamento do famoso “Plano de Recuperação Económica”, é, assim, a oportunidade e o momento certo para lançar uma política fiscal adequada à preparação dessa recuperação.

À parte de alguma especificidade nacional que possa trazer a estratégia económica proposta pelo Dr. Costa Silva, não é preciso “inventar a roda”, como se costuma dizer. Basta seguir as best practices de alguns dos nossos parceiros da UE e comerciais, e seguir as recomendações internacionais.

A OCDE, através do relatório “Tax Policy Reforms: OECD and Selected Partner Economies” recomenda aos Estados a adoção de um conjunto de medidas adequadas às diferentes fases da pandemia, identificando os objetivos que a política tributária deveria seguir em cada fase: a primeira fase da pandemia foi marcada por fortes medidas de contenção e a necessidade de fortalecer o sector da saúde; a segunda fase foi marcada por uma mitigação gradual, parcial e intermitente das medidas de contenção e a terceira fase assinala-se pela recuperação e necessidade de apoiar as economias.

Entre essas medidas, destacam-se reduções de impostos diretos suportados pelas empresas através de medidas específicas tais como super-deduções, depreciações aceleradas sobre ativos fixos, flexibilização de benefícios fiscais existentes e criação de outros destinados a promover a reforma de modelos de negócio, a digitalização das empresas e o investimento em sectores chave para a recuperação.

Adicionalmente, no caso específico de Portugal, pode ampliar-se o âmbito do regime de compensação de créditos de fornecimentos que as empresas detenham sobre o Estado com dívidas fiscais em processo de execução. Uma medida excecional desta natureza permitiria continuar a aliviar a tesouraria das empresas e, simultaneamente, libertar garantias para recurso ao crédito ao investimento, com saldo 0 para as contas públicas.

Num artigo publicado recentemente no IBFD, concluiu-se que entre 44 países, 30 deles focaram as suas medidas nas empresas e na proteção ao emprego, sendo que apenas 14 países concentram tais medidas diretamente nos impostos sobre pessoas singulares. Portugal ainda tem, portanto, ampla margem para redirecionar a política fiscal para conceder maior apoio às empresas, o que não deixará também de servir a proteção do emprego e do rendimento das famílias portuguesas.