Não venho falar de Portugal. Venho falar-vos dos EUA, o país dos sonhos. Na canção Madeleine, de 1962, de Jacques Brel, “Madeleine[…] c’est mon Amérique à moi”, o país da esperança para tantos e tantos! O país de igualdade (de oportunidades) e o país de uma realidade dura, muito dura e chocante para nós, os europeus, que não tenhamos pejo em nos deixarmos arrastar por uma onde de valores negativos e humilhantes.

Se há emigrantes (a nova palavra migrantes é confusa pela ambivalência e perniciosa pelo uso) que conseguiram enriquecer, há-os. Como, não sei. A maioria creio que não conseguiu. Eis o que me foi dado ver nas visitas que fiz lá a vários estados.

Na Costa Leste o acolhimento em restaurantes, lojas e hotéis começa pelo universal “Hi”, que não me choca nada e a bonomia continua sem grandes efusões, o que está bem, mas às vezes sim, existem “wows”. Acabada a transacção, quando se trata de refeições, pode-se pedir um copo de água, mas paga a gorjeta, é o fim, não olham mais para o cliente.

Ainda na Costa Leste, desta vez noutro estado e noutra cidade, fui comprar uns óculos escuros a uma loja da especialidade. Aqui a história é diferente. Gostei de uns e disse que queria comprá-los. A vendedora, senhora de trinta e tal anos, não me ouviu à primeira, de tal maneira embrenhada estava a falar com a colega acerca do seu boyfriend. Bom, por fim prestou-me atenção e disse que ia procurar o estojo dos óculos. Esperei e voltou com o dito.

Abriu-o e fez várias tentativas para pôr os óculos lá dentro, mas sem êxito. Era impossível, este estojo era para aqueles óculos! Pedi-lhe o estojo e os óculos e à primeira encaixei-os. Paguei e fui-me embora perante uma estupefacta e irritada vendedora. Tirei várias ilações do sucedido.

A primeira: ela tinha medo de forçar os óculos porque se os partisse teria de pagá-los. As lojas não têm um fundo de maneio para acidentes de peças à venda, o empregado ou o cliente, percebi mais tarde, é sempre o responsável. A segunda: cá aprendia-se logo na quarta classe, agora não sei, desenho à vista, lá duvido, pois ela não conseguia pôr os óculos na caixa dos mesmos. O país das maravilhas!

Na Califórnia, num grande armazém se se pedir para consertar um parafuso de uns óculos, na secção dos mesmos, fazem-no e no fim pergunta-se quanto é; R: “não é nada!” “Muito obrigado”. Viram as costas a resmungar e acrescentam: “e esperam que um homem possa viver!” Ora, nunca me passaria pela cabeça dar uma gorjeta num grande armazém de luxo a um empregado.

À saída olhei para o Michael, que viajava comigo, e dissemos em uníssono: “pois é, eles não ganham praticamente nada, precisam de gorjetas sempre e sempre!”

Também no mesmo estado e na mesma cidade de São Francisco, fomos jantar com amigos que viviam lá a um restaurante recomendado por estes no cimo de uma torre com uma vista daquelas que se veem do alto das torres.

Ao servir o vinho, o escansão entornou meia garrafa, sujando o fato de um dos comensais e limitou-se a dizer: “oh, I am sorry!” e acabada a garrafa não trouxe outra “com os cumprimentos da casa”.  Vinda a conta, pagou-se aquela inteira. O Michael e eu achámos que não se devia deixar gorjeta. Os nossos amigos disseram que os outros empregados não tiveram culpa e, quanto a ele, “poor guy”. Não íamos arranjar uma discussão, é claro. E lá foram os 20% sacramentais.

Da primeira vez que fui aos EUA disseram-me para deixar 15%, da segunda, 20% e assim ficou. Agora não faço a mínima ideia e espero não voltar lá. Eis, pois, o modus vivendi ou, se preferirem, o American way of life na sua realidade.

Ainda nesta última cidade estávamos num bar ao fim da tarde e a barmaid que nos serviu as bebidas era simpática e falou connosco. Fizemos perguntas inocentes, julgávamos, tais como se a vida era difícil e ela respondeu que este emprego era um emprego que ela fazia das cinco da tarde às dez da noite porque tinha outro durante o dia, senão não podia pagar a renda da casa. Para mais, tinha uma filha pequena para criar.

“Então, a vida é dura?” perguntámos? “Sim, sim” respondeu. Depois fez-se uma pausa e perguntou muito séria e assustada: “Hey you guys are not from Washington DC, from the Tax Department are you?” “Não, esteja descansada. Estamos de férias. Somos europeus.”

Depois percebi que tendo eu um sotaque inglês por ter vivido em Londres, passava por sotaque britânico, como eles dizem. O Michael é escocês. Ela se calhar nunca tinha ido a Washington DC e, por isso, não conhecia o sotaque daí. É engraçado porque o sotaque da Costa Oeste é muito mais suave do que o da Costa Leste. Sabe-se lá porquê!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.