O sistema energético atravessa uma profunda transformação com vista à criação de um futuro descarbonizado, descentralizado e elétrico, que impacte positivamente as pessoas e o planeta. O aumento da procura de energia renovável, de veículos elétricos e consequente consumo de energia elétrica são uma realidade. À medida que conectamos cada vez mais recursos de energia distribuída à rede elétrica (ex.: painéis solares, veículos elétricos ou baterias), mais próximos dos pontos de consumo, estamos também a sobrecarregar e a pressionar a rede de distribuição – o sistema tradicional opera como uma estrada idealizada e desenvolvida para deslocação em sentido único e agora complexifica-se com múltiplas faixas de sentidos distintos.

Serviços de flexibilidade desbloqueiam capacidade adicional na rede, fomentando a incorporação de tecnologias verdes, e compensam as partes pelo seu papel ativo na estabilização da rede elétrica ao longo das flutuações de oferta e procura. Por exemplo, a meio de um dia de verão, em que a geração renovável através de painéis esteja no seu pico, poderão ser oferecidos benefícios a quem carregue o seu veículo elétrico ou utilize os seus eletrodomésticos com maior intensidade energética. Por outro lado, ao final do dia, caso a geração renovável seja mais reduzida, poderá ser beneficiado quem forneça energia do seu veículo elétrico à rede (ou ajuste o período de carregamento) ou se comprometa a não utilizar eletrodomésticos com maior intensidade energética. Através da gestão da energia flexível, em alguns casos é possível evitar o investimento significativamente superior e demorado na capacidade dos ativos da rede elétrica.

As principais fontes de flexibilidade no sistema elétrico incluem: do lado gerador, ajustar a produção ou utilizar armazenamento; do lado consumidor, passar pelo ajuste do consumo à oferta de energia, assegurando sempre as suas próprias necessidades. Estes mecanismos promovem incentivos à eficiência energética, permitindo, ao mesmo tempo, uma transição mais justa e ajustável.

Para industrializar estes serviços, a solução passa pelo desenvolvimento de mercados de serviços de flexibilidade, facilmente acessíveis aos agentes do mercado elétrico (geradores e consumidores) onde estes possam definir as suas próprias necessidades e receber benefícios pela partilha de capacidade para acomodar flutuações na rede.

Existem já várias iniciativas na Europa com vista à criação destes mercados de flexibilidade, como por exemplo:

  • Reino Unido: desenvolvida uma plataforma peer-to-peer para trocas de energia, uma colaboração com Operadores da Rede Elétrica (ORDs) para desenvolver contratos de capacidade flexível;
  • Suécia: lançado um projeto com o objetivo de criar uma arquitetura para ORDs de pequena e média dimensão desbloquearem recursos de flexibilidade;
  • Alemanha: criado um mercado de flexibilidade baseado em transações para permitir uma melhor gestão de congestionamentos da rede;
  • Noruega: formado um mercado independente para transacionar flexibilidade e energia descentralizadas, utilizando Internet of Things e analítica para uma operação mais fluída do mercado;

Em Portugal estão já a ser desenvolvidos diversos pilotos para fomentar a flexibilidade da rede, beneficiando a sua operação e os próprios consumidores, como a incorporação de tecnologias de armazenamento e aproveitamento dos dados dos recursos distribuídos existentes. É importante apostar em diferentes soluções para gerar flexibilidade na rede, aproveitando o envolvimento de todos os agentes do mercado (incluindo consumidores).

Investimento na rede elétrica será fundamental para assegurar a sua resiliência e adaptabilidade para o futuro, ainda assim, acreditamos que é crítico estabelecer condições e mecanismos de flexibilidade, de forma que esta transição seja sustentável, económica e rápida.