As relações entre Portugal e os EUA, desde a Segunda Guerra Mundial, têm passado muito pela importância geoestratégica dos Açores. Um relacionamento que tem a Base das Lajes, na Ilha Terceira, como epicentro. Uma história sobretudo de aviões, embora a base seja aeronaval.

Uma relação em que os Açores têm desempenhado o papel de parente pobre. Uma forma de dizer que os benefícios recebidos pela região têm ficado aquém daqueles que Portugal deveria ser capaz de garantir. Isto para já não falar das dificuldades em implementar a lógica poluidor-pagador.

Na conjuntura atual, uma questão de aviões ameaça tornar-se um novo pesadelo para os Açores. Desta vez, a causa reside no conflito entre os EUA e a União Europeia, devido aos subsídios de milhares de milhões de euros e dólares públicos que a Airbus europeia e a Boeing norte-americana, os dois maiores fabricantes aeronáuticos do mundo, receberam sem que a tal tivessem direito. Um jogo de acusações mútuas em que a OMC funciona como árbitro.

Um conflito que levou o atual inquilino da Casa Branca a repetir a atitude que teve na guerra comercial com a China. Para Donald Trump a solução é sempre a mesma. Passa por aplicar tarifas sobre as importações norte-americanas provenientes dos países com quem está em luta. No caso em apreço, 10% sobre os produtos aeronáuticos e 25% sobre os produtos agrícolas, incluindo laticínios, carne de porco, fruta e mariscos.

No que se refere a Portugal, segundo o MNE, a medida de Trump acarretará um prejuízo à volta dos cinco milhões de euros por ano, uma verba que seria bastante superior se o vinho e o azeite não tivessem ficado a coberto das novas tarifas.

Porém, no que concerne aos Açores, os Estados Unidos não fizeram questão de proceder a uma discriminação positiva, malgrado as vantagens de que dispõem na Base das Lajes. De igual forma, não valorizaram o facto de nos Estados Unidos viver uma comunidade de muitos milhares de açorianos ou seus descendentes. Uma comunidade que, em grande parte, alimenta – e se alimenta – do “mercado da saudade”.

Um mercado importante para a economia regional. Basta pensar que os EUA recebem 12% das exportações do queijo açoriano. Um peso muito elevado e que já está a obrigar os produtores de leite e de queijo a fazerem contas aos prejuízos que se avizinham, uma vez que o seu queijo não irá ter direito a tratamento preferencial.

Cálculos que devem ter em conta que outros países europeus exportadores de leite e queijo, face à decisão da Administração do país do Tio Sam, irão apostar no mercado europeu e, como tal, dificultar a colocação dos produtos açorianos nesse mercado, pois a questão de escala tornará a economia insular pouco competitiva.

Um prejuízo que levará os produtores regionais a solicitar o apoio do Governo Regional e este, muito provavelmente, a virar-se para Lisboa em busca de auxílio. Uma posição que terá reflexos no continente, com os produtores de leite e queijo a procurarem um tratamento comum para todo o território nacional.

Um problema para o Governo da República. Aquele que, a exemplo dos seus antecessores, finge não perceber que o atual paradoxo atlântico em que assentam as relações luso-americanas tem o mesmo valor do Tratado de Windsor de 1386. Dito de uma forma clara: as alianças só estão em vigor enquanto os interesses do parceiro mais forte não se sentirem ameaçados. Como se viu no ultimato inglês. Uma afronta que esteve na origem do Hino Nacional. Só foi preciso trocar os “bretões” pelos “canhões”. Para não ofender o velho “aliado”.