“A China está a enfrentar uma crise sem precedentes. Temos de reconhecer que o número relativamente baixo de casos detetados fora da China resulta dos esforços intensos que o Governo chinês está a realizar para conter a emergência e proteger outros países”. “Há outros exemplos da determinação da China em responder, desde a partilha rápida da sequenciação do genoma do vírus com a OMS e o mundo ao convite para uma equipa de especialistas internacionais liderada pela OMS, ir até à China e apoiar parceiros locais”. Declarações do porta-voz da Organização Mundial de Saúde ao “Expresso”, e “Expresso Diário”, 05FEV20.

Só lhes falta falarem do “perigo amarelo”! A vesguice ideológica provocada pelas lentes grossas do anticomunismo tudo permite e tudo vale para levar a água ao moinho da pura propaganda anti-chinesa, quando não xenófoba. Podiam ter em conta:

1. A opinião da OMS. Para lá do que acima se transcreve são inúmeras outras declarações dos seus responsáveis e especialistas, a começar pelo seu Director-geral. O que também se diz nos seus relatórios.

2. As declarações do principal responsável do Estado chinês, reconhecendo problemas, falhas e fraquezas na resposta ao coronavírus, a necessidade de mudanças profundas no sistema de resposta a emergências de saúde pública e de revisão e mesmo nova legislação na prevenção de doenças infecciosas, na biosegurança, na protecção da vida selvagem. A tomada de medidas relativamente a responsáveis políticos e administrativos.

Mas não. Atente-se nesta amostra.

Um jornalista, sob o sugestivo título “O vírus e os malefícios do comunismo”(1), ao jeito da fábula “se não foste tu, foi o teu pai”, resolve juntar ao coronavírus o historial de todas as desgraças sucedidas ao povo chinês, desde as pestes de 1588 e 1642, e vem por aí fora até à gripe espanhola de 1917! No rol vem a invasão manchu em 1644 e o “Grande Salto em Frente”, mas esqueceu-se das duas guerras do ópio do imperialismo inglês ou da invasão japonesa. Mas não esquece a SARS (2002/2003) e, calcule-se, a peste suína africana… Benza-o deus! A que acrescenta a falta de “vistoria sanitária” nas feiras camponesas e a “concentração e coabitação de comunidades humanas com explorações pecuárias”. Coitado do Barradas que nunca saiu de Lisboa!

Uma professora da Nova SBE(2), que sob o título “Xi Jinping: era uma vez um autocrata que deu uma mãozinha ao vírus”, resolveu teorizar: tal regime, tal catástrofe. Assim mesmo! Cita inclusive um estudo para demonstrar que as catástrofes naturais “causam menos vítimas em democracias”. Notável. Foi pena que, à semelhança do anterior plumitivo, não desse uma volta histórica e geográfica pelo mundo para demonstrar a sua tese com as experiências vividas pelos povos.

Estava certamente a pensar de como os EUA reduziram os estragos com o Katrina. Ou de como o seu sistema de saúde(?) responde às 37.000 mortes que, em média e por ano, desde 2010, surgem associadas a surtos de gripe. Ou do desastre sem fim do Haiti! Ou de como, em contraposição, Cuba tem de facto reduzido as consequências humanas de tufões, ciclones, face aos seus vizinhos da América Central… Ou muito mais próximo, de como Portugal respondeu aos incêndios florestais de 2017.

A lista dos reinventores do perigo amarelo é mais longa. Vale a pena meditar.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

 

(1) João Carlos Barradas, “Jornal de Negócios”, 28JAN20; (2) Suzana Peralta, “Público”, 14FEV20