Há qualquer coisa de terrivelmente fascinante na natureza.

Até há cerca de um mês, as dinâmicas à escala global comportavam diversas variáveis, reconhecidamente com um elevado grau de indeterminação. O futuro da relação entre os EUA e a China, a capacidade da União Europeia superar o desafio do Brexit e as crises políticas internas, em especial na França e na Alemanha, o mutante saldo dos equilíbrios no Médio Oriente – eram, e continuam aliás a ser, temas que nos interrogavam. Alguns especulavam sobre a forma de levar algumas décimas ao crescimento débil com que a economia mundial estiolava. Apesar dessa indefinição, já de si muito diferente daquela que moldara a relativa estabilidade de décadas anteriores, esse tempo de ontem já quase nos parece hoje sinónimo de um mundo previsível.

É que, de súbito, uma crise de saúde, de proporções gigantescas, passou a sobredeterminar o nosso quotidiano. Por quanto tempo? Uma economia como a italiana “fechou para obras”, a indústria universal do turismo e a economia da circulação de pessoas estão a sofrer um imenso choque, o qual, aconteça o que acontecer, demorará já muitos meses para recuperar. De um instante para o outro, os orçamentos dos Estados, desenhados para o “business as usual”, passaram a meras curiosidades estimativas do passado. Há que encontrar novos recursos, porventura com acolhimento forte na dívida, para fazer face aos impactos inadiáveis que aí estão à vista.

Um surto de desemprego é já inevitável, os serviços públicos entraram em estado de anormalidade. O nosso dia a dia está fortemente condicionado, escolas fecham, espetáculos são cancelados, adotámos uma “coreografia” defensiva nas relações pessoais, vivemos numa espécie de clima “de guerra”, com a estranha sensação de que os direitos têm de passar para segundo plano, condicionados por aquilo que surge como um imperativo incontornável. Entrámos em visível “estado de exceção”.

Estaremos a exagerar os nossos medos? Pode ser que sim, mas também pode ser que não. Apesar dos “bitaites” com que os especialistas inundam as televisões, é óbvio que ninguém sabe, de ciência certa, por quanto tempo e com que dimensões, a presente crise acabará por marcar a nossa vida. É curioso observar já, em alguns comentários mais despudorados, a fria crueldade da diferenciação dos riscos etários: os mais velhos serão os mais atingidos, como manda a lei da vida, pensam ou dizem alguns, adotando intimamente uma espécie de juízo de justiça terminal.

Aturdidos pelas incógnitas, absorvemos as imagens alheias deste novo “tempo da peste”, com a íntima esperança que tudo não passe de um exagero, que possamos evitar o tal vírus, nós e os nossos. Afinal, pensamos, já houve crises desta natureza no passado – e aqui estamos para contá-las. “Não há-de ser nada”, dirão os otimistas, convencidos de que, com o calor, o vírus sairá de cena. “Isto pode ser o diabo”, resmungarão, por seu turno, os céticos.

Quem se ri, com estas partidas, é a poderosa mãe natureza.