O ano de 2020 iniciou-se com os partidos populistas a marcarem a agenda política na Península Ibérica. Aquela terra em cujos confins, segundo Júlio César, vivia um povo que não se governava nem se deixava governar. Uma realidade que faz parte do passado distante. Na conjuntura atual, a Ibéria já se sabe governar. Que o faça ao arrepio da realidade política ocidental onde os partidos socialistas se tornaram quase irrelevantes, são contas de outro rosário.

De facto, com poucos dias de diferença, os socialistas lograram um duplo êxito. Assim, no país de Camões, o Governo minoritário de António Costa conseguiu ver aprovado na generalidade o Orçamento, beneficiando da abstenção dos partidos populistas que tinham apoiado a anterior geringonça socialista. Enquanto isso, na terra de Cervantes, Pedro Sánchez lograva ser investido devido à coligação com o Podemos populista e à abstenção dos nacionalistas catalães da ERC. Uma investidura à segunda tentativa e que, usando termos próprios da tauromaquia – afinal o touro é um símbolo de Espanha –, trocou a pega de caras pela cernelha possível na esperança de conseguir ser premiado com uma volta ao redondel, embora sem direito a saída em ombros. Até porque “saída” é uma palavra que desagrada profundamente a quem tudo faz para se manter no lugar.

Como se percebe, os socialistas dos dois lados da fronteira só são governo devido ao apoio populista. Só que as semelhanças não se ficam por aqui. Na verdade, Sánchez parece ter copiado o otimismo de Costa. Daí a sua reação bem-disposta quando Felipe VI o avisou de que a cerimónia da promessa do cargo de Presidente do Governo tinha sido rápida, simples, sem dor, antes de acrescentar que a dor viria depois.

Um jogo de palavras que mostra que o otimismo socialista não contagiou o monarca. O rei continua a questionar o gasto de tanto dinheiro em eleições para Sánchez acabar por aceitar uma situação em tudo igual àquela que anteriormente tinha recusado.

Por conta do otimismo, Sánchez está convencido de que o seu Governo, que classifica como plural e progressista, falará a várias vozes, mas sempre com uma mesma palavra. Acredita que Pablo Iglésias, vai abandonar o populismo antissistema e, uma vez instalado na cadeira de Vice-Presidente Social, deixará de fazer da luta contra a casta a razão da existência do Podemos. Tal como acredita que a prometida mesa de diálogo que lhe garantiu a abstenção catalã vai conseguir resolver a questão da Catalunha. Afinal, lá como cá, sonhar ainda não está sujeito a impostos.

Como Portugal não enfrenta regionalismos separatistas, Costa não precisou de pagar um preço tão alto. A aprovação do Orçamento ficou barata. Sabia que os apoiantes da geringonça não faltariam à chamada e até se permitiu investir num novo hospital na Madeira para garantir a abstenção dos deputados locais do PSD. Uma “desnecessidade”. Os votos, não o hospital.

Voltando às semelhanças dos dois processos, diga-se que, em Portugal e em Espanha, apesar de o peso eleitoral do Chega não ser comparável ao do Vox, os populistas ditos de direita tiveram igual comportamento ao recusarem apoiar os governos socialistas. Colocaram-se – e foram colocados – à margem do sistema. Temporária ou definitivamente é uma questão a que o tempo responderá.

Tempo que também não demorará a mostrar se um partido populista muda a essência quando, ainda que em posição de subalternidade, chega ao Poder. Um dado importante para saber se mantém pertinência o adágio popular sobre o vento que sopra de Espanha.