As ilações que puderam ser extraídas das recentes e falhadas negociações para aprovação na generalidade do Orçamento do Estado 2022 são relevantes num contexto analítico, agora que o Governo maioritário irá fazer aprovar o mesmo Orçamento com os ajustes que as alterações significativas do contexto – serão mais do que o expectável – venham a exigir.

Tenhamos em conta as muitas críticas à proposta do referido Orçamento vindas dos diversos quadrantes políticos.

Assim tendo o Governo na altura assumido ser este Orçamento um instrumento político da continuidade, registaram-se fortes reparos da esquerda para quem esta continuidade peca por defeito (ou seja, há necessidade de mais despesas, sobretudo face às necessidades sociais do país), bem como reparos da direita política, que assume que tal continuidade peca por excesso, no sentido de manter elevado o peso do Estado na sociedade em geral e uma fraca aposta na dinâmica do tecido  empresarial.

É um facto que – para além da implementação do PRR – o governo cessante parecia ter querido assegurar um ambiente equilibrado, com “nuances” próprias de uma visão de esquerda, ainda que não demasiado ambiciosa em matérias sobretudo económicas, pouco reformista ou melhor reformista q.b., num quadro de escassez de recursos e de endividamento que, estruturalmente, tem caracterizado a nossa economia.

Poderia ser um rumo aceitável porque gradualista e cauteloso, talvez a saber a pouco, pese embora os esforços que parecem estar indiciados para certos sectores sociais prioritários e mesmo para a reestruturação do tecido empresarial…

A maioria do eleitorado tal terá ratificado. Mas da parte da esquerda as reclamações – certamente legítimas – apontam para um despesismo difícil de compatibilizar com o equilíbrio interno e externo, desde logo  com as exigências da União Europeia como modelo económico e social.  E, por sua vez, do lado da direita moderada espera-se, desde já, ou seja, no próximo debate orçamental, a apresentação clara de modelos alternativos.

Só que modelos ditos alternativos com poucos remendos face ao proposto pelo PS, sabe também a muito pouco. O que verdadeiramente se exigiria, numa óptica de direita, era a apresentação de propostas que,  de uma forma realista, superassem o mal estrutural que criticam, ou seja a drenagem de recursos advinda de um elevado peso do Estado na economia. E tal passará, obviamente, por uma redução da despesa que o Estado assegura – muita dela, diga-se, de mitigação de desequilíbrios sociais e outra de facto não reprodutiva mas que vive de “imparável” inércia – para que se consiga, finalmente, na respectiva “doutrina”, proceder a uma visível diminuição do peso fiscal  e outros entraves, esperando sobretudo por uma resposta bem dinâmica dos agentes empresariais.

A pergunta que se coloca nesta visão de maior liberalização da economia é a de saber se, no nosso contexto de conhecidas fragilidades estruturais na economia das famílias e no tecido empresarial, há convicção suficientemente fundamentada para tal assumir sem ambiguidades.

A prevista aprovação do Orçamento para 2022 – agora atrasada por circunstâncias peculiares e implicando adaptações relevantes que a conjuntura internacional vai exigir – não se deve resumir a um exercício “automático” (dada a situação de maioria absoluta). Deve antes ser aproveitada para clarificar, sem rodeios, diferentes modelos políticos democráticos possíveis.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.