A frase “a NATO está obsoleta”, proferida pelo candidato presidencial Trump e depois presidente dos EUA, levantou muita ansiedade e mal-estar nas chancelarias europeias. Estes sentimentos refletiram-se nas longas prosas e comentários dos analistas.

Os EUA vão virar as costas à Europa, Trump não se considera obrigado pelo Art.º V, agora é que vão ser elas. Foi decretado o caos. Era o conluio de Trump com Putin. Ouvi isto de muito boa gente. O “sound bite” foi explorado pelos que defendem o reforço da cooperação de segurança europeia para propor a criação de um exército europeu.

Entretanto, a NATO ia implementando paulatinamente as decisões aprovadas nas cimeiras de Gales (2014), Varsóvia (2016) e Bruxelas (2018), reforçando a presença militar na sua fronteira leste. Trump nunca tentou reverter a implementação daquelas medidas, que tinham sido tomadas antes de ser presidente, nem questionou as que foram tomadas depois, e que seguiam a mesma linha das anteriores. Nunca Trump manifestou qualquer oposição à criação da “Iniciativa de Prontidão da NATO” acordada em Bruxelas, ou a quaisquer outras medidas.

Perante estes factos torna-se difícil compreender a insistência dos analistas na possível ausência de solidariedade transatlântica, quando todos os factos indicavam o contrário. Ou seja, o reforço da Aliança. Muitas teses foram apresentadas em abono daquele argumento. A mais persuasiva era a continuação do “Asia pivot”, cuja paternidade pertence a Obama, e que exprimia a preocupação das elites americanas com os avanços da China, para os quais não foi encontrada ainda uma fórmula de debelar convincente.

Parece não terem percebido dois desenvolvimentos cruciais: em primeiro lugar, Trump conseguiu o que nenhum dos seus antecessores conseguiu. Pôr os europeus a gastar mais com a defesa, e reduzir significativamente a contribuição americana para o orçamento da NATO. A Alemanha terá sido a principal “vítima” das investidas de Trump.

Em segundo lugar, a proposta de Macron atingia negativamente os interesses americanos. Na prática, Macron sugeriu que se analisasse a possibilidade de construir uma nova arquitetura de segurança na Europa que não excluísse a Rússia. Alvitrou, ainda, que o principal inimigo da NATO é o “terrorismo”, em vez da Rússia ou da China.

A concretização dessas propostas significava, no curto prazo, uma diminuição significativa da importância da NATO, uma revisão profunda da sua “postura de defesa e dissuasão”, e, no médio prazo, a sua eventual dissolução. Se, durante a Guerra Fria, a ameaça era a União Soviética, a seguir passou a ser a Rússia. Existem outras, mas esta é a que verdadeiramente justifica a sua existência.

Em Bruxelas, Trump retirou a máscara e reagiu às declarações de Macron sobre a “morte cerebral” da NATO considerando-as “desagradáveis e desrespeitosas”. A NATO deixou de ser “obsoleta” para passar agora a servir “um grande propósito”.

Na verdade, nem os dirigentes europeus nem a esmagadora maioria dos analistas perceberam que Trump se comportava como vendedor de um qualquer souk árabe, onde é preciso regatear o preço. Ou, se quisermos recorrer ao jargão do bridge, Trump fez um “psíquico”, deu uma voz que fornecia aos seus parceiros informação deliberadamente errada. E eles acreditaram.