Para alguns, o mercado de eletricidade limita-se ao mercado diário de eletricidade o chamado mercado spot. Este é um tipo de mercado criado há mais de 40 anos, no qual os produtores de eletricidade oferecem a produção para cada hora do dia seguinte, indicando o preço marginal dessa mesma produção, isto é o custo do combustível para produzir 1 MWh de eletricidade. A linha que representa todas estas propostas constitui a curva da oferta.

Nesse mercado, os comercializadores de eletricidade colocam as suas necessidades, para cada hora do dia seguinte, e a que preço estão dispostos a adquiri-la. A curva da procura é a linha com todas estas necessidades.

O ponto em que estas linhas se cruzam determina o valor do mercado grossista para essa hora e também se define a ordem em que as centrais são chamadas a satisfazer a procura.

Este mercado funcionou muito bem quando a eletricidade era maioritariamente gerada em centrais térmicas, que são remuneradas pelo custo dos combustíveis, valor fixado neste mercado grossista, mas também faturavam noutro tipo de mercados, o que ajudava a compor, de uma forma razoável e aceitável, a remuneração total das empresas produtoras de eletricidade.

Além do mercado grossista, há o mercado de serviços de sistema, ou de “serviços de assistência”, que um sistema elétrico precisa para funcionar, além da energia, mas também há o mercado da garantia de potência, que, de uma forma simplista, está para o sistema elétrico como os bombeiros estão para a segurança da sociedade.

Quando se pretende descarbonizar a sociedade, em especial a produção de eletricidade, ganha relevo a produção de eletricidade em centrais renováveis. Nestas centrais, exceto as de biomassa, o “combustível”, isto é água, vento e sol não se pagam, pelo que no mercado de elétrico marginalista estas centrais ofertam a zero.

Como nota refiro que é por esta razão, a de terem um custo marginal inferior ao das centrais térmicas, que as centrais renováveis são despachadas em primeiro lugar, e não por nenhuma benesse legal. Quando toda a eletricidade for de origem renovável, o valor do mercado marginalista será nulo, ou próximo disso. Percebe-se que ninguém invista numa central renovável para depois não ser remunerado pela eletricidade que produz e injeta na rede.

É preciso perceber que as centrais renováveis, que não pagam pela matéria-prima, conseguem saber o custo da eletricidade que produzirão durante a sua vida útil, pois além do custo do investimento, que é totalmente conhecido quando a central é concluída, apenas têm de remunerar o seu financiamento, a operação e manutenção, os impostos e, claro, o lucro da empresa detentora. Estes custos prevêm-se com uma grande precisão, pelo que cada central, dependendo da sua tecnologia e data de entrada em operação, pode ofertar a sua produção por um valor constante durante a sua vida útil, atualizado apenas pela inflação.

Esta é uma das vantagens muito apreciada pelos consumidores, em especial pela indústria, a da previsibilidade dos custos de produção que não depende da volatilidade e da imprevisibilidade dos custos de combustíveis.

O mercado atual da electricidade é um mercado marginalista que não se adequa quando se pretende ter uma produção de eletricidade 100% renovável, logo há que encontrar outra forma de remunerar esta eletricidade renovável, através de um processo competitivo, transparente e justo. Isto é, uma outra forma de mercado.

Um processo de um leilão com regras bem definidas é um tipo de mercado, independentemente de como se leiloa. Quem não entende isto não percebe nada de como funciona o sistema elétrico.

Há vários tipos de leilão. Aquele que me parece mais equilibrado é o que se oferta, de forma descendente, uma tarifa por um determinado período fixo nas regras do leilão. Defendo os leilões de uma só tecnologia, isto é, não pôr a competir tecnologias entre si, pois o “programa de produção” de cada tecnologia não é comparável, nem à escala diária, nem sazonal nem anual, pelo que se assim não for é muito difícil “comparar alhos com bugalhos”.

O prazo em que vigora essa tarifa também deve ser adaptado às características de cada tecnologia, como se fala muito de fazer um leilão para centrais solares defendo como razoável um prazo de 15 anos.

Tem sido referido por membros deste Governo que o valor de partida para o leilão que será lançado dentro de poucos meses, para centrais fotovoltaicas, será de 45€/MWh. Certamente o valor final de adjudicação será inferior a este valor, e a pergunta que se impõe é: e quem ganha com isso?

Ganha o consumidor porque vai poupar substancialmente, em especial quando se sabe que o valor médio de 2018 foi de mais de 58 €/MWh. Ganha o produtor porque vai conseguir financiar o seu projeto por ter uma diminuição do risco do investimento, podendo por isso baixar o valor da oferta. E por fim ganha Portugal, que dá mais uns passos importantes na descarbonização da sua economia, a custos sustentáveis e baixos, e cumpre os objetivos com que se comprometeu.

Todos ganham com este novo mercado de eletricidade.

Só não entendo quando se diz: se o valor a pagar pela eletricidade renovável for acima de 47,5€/MWh é um sobrecusto para o sistema elétrico. As previsões que a ERSE fez para a tarifa elétrica entre 2015 a 2019 oscila entre o mínimo de 50,9€/MWh (2017) e o máximo de 65,5€/MWh (2019). Também os valores verificados nestes anos foram sempre superiores a 50€/MWh, exceto 2016 (39,5€/MWh) que foi muito húmido. Em 2019, até à data é 56,5€/MWh.

Tendo presente que os custos do mercado marginalista apenas refletem uma parte dos custos de produção de eletricidade, e o que se paga às centrais renováveis é o valor total, não entendo porque é que se continua a dizer que pagar a eletricidade renovável acima de 47,5€/MWh é um sobrecusto para o sistema elétrico.

Ainda bem que se vai conseguir pagar menos que 45€/MWh por eletricidade fotovoltaica, mas talvez tal não seja possível por outras tecnologias. Mas uma coisa é certo, com o processo de leilões vamos ter a eletricidade o mais barata possível, vamo-nos tornar menos dependentes do exterior e vamos descarbonizar a economia, sem nunca esquecer que os leilões também são mercado onde todos ficam a ganhar.