Henry Kissinger terá afirmado em tempos que quando as partes de um conflito procuram desesperadamente evitar a guerra, ganha o player que se revelar mais implacável e menos escrupuloso. Esta descrição assenta como uma luva no autocrata russo Vladimir Putin, que esta semana invadiu a Ucrânia numa guerra de agressão que cobre o seu país de vergonha e opróbrio.

Porém, tratando-se de uma questão em que, no limite, está em jogo a sobrevivência do mundo como o conhecemos, não podemos cair no erro de desumanizar os russos ou reagir de forma excessivamente emocional. Até porque não obstante Putin ser, de longe, o player mais implacável desta tragédia, também é verdade que mesmo para ele haverá limites que não poderá ultrapassar sem pôr em causa a sobrevivência do seu país.

A menos que estejamos perante um caso de narcisismo patológico (e há alguns sinais, no comportamento recente de Putin, que parecem apontar para isso), o mais provável é que a Rússia procurará evitar um conflito direto com os Estados Unidos e a NATO, uma vez que dificilmente alguém poderá sair vencedor de uma guerra dessa natureza.

Este facto deve ser tido em consideração, juntamente com os objetivos políticos da invasão da Ucrânia. E, dessa forma, saber-se-á até que ponto estará a Rússia disposta a ir nesta guerra. Quererá Putin instalar um regime fantoche em Kiev? Transformar a Ucrânia num estado “neutro” (a palavra certa será talvez neutralizado), do género da Finlândia após a Segunda Guerra Mundial? Quererá simplesmente anexar o país, ou apenas a parte oriental russófona? E irá a incursão russa durar dias, meses ou anos? Pretende ficar na Ucrânia ou simplesmente forçar o governo de Kiev e as potências ocidentais a aceitar um acordo que lhe faça concessões?

O problema é que ninguém fora do Kremlim parece conseguir descobrir a resposta a estas questões, já que, ao contrário de Joe Biden e dos líderes europeus, que mostraram as suas cartas ainda antes de ser disparado o primeiro tiro, Putin não revelou de antemão quais os seus objetivos últimos ao invadir a Ucrânia.

Tal como têm dito vários especialistas que acompanham a sua longa carreira, Putin é um jogador altamente flexível, que aproveita as fragilidades dos adversários e adequa a sua atuação às circunstâncias do momento. Além disso, Putin controla o jogo a todo o momento e é sua a iniciativa estratégica: a qualquer momento a situação pode agravar-se ou acalmar, consoante o czar assim decida. Se ele quiser, esta guerra pode acabar em cinco minutos.

Sabendo disto, o que devem, então, fazer a NATO e a União Europeia? A resposta parece-me óbvia: aplicar sanções verdadeiramente duras sobre a Rússia enquanto esta não respeitar a soberania da Ucrânia. E entretanto apoiar, na medida do possível, a resistência ucraniana na defesa contra o invasor, com armas e dinheiro (um aspeto curioso é que Putin fez mais pela união da NATO em 24 horas do que todas as cimeiras desde 1991).

Essa será a única forma razoável de forçar o governo de Moscovo a recuar e a negociar, porque até a Rússia, com os seus gigantescos recursos naturais, precisa de se financiar no estrangeiro e de ter trocas comerciais com os vizinhos.

No fim do dia, queiramos ou não, dada a impossibilidade de resolver o assunto pela força das armas, qualquer solução pacífica para este conflito terá de envolver a Rússia e atender a algumas das suas reivindicações, como tem defendido Emmanuel Macron. Afinal, por definição, a paz faz-se com os inimigos e não com os amigos. E uma Rússia ‘estado-pária’ será sempre mais perigosa, a longo prazo, do que uma Rússia devidamente enquadrada na arquitetura de segurança do continente, com uma espécie de détente como a que foi alcançada com a União Soviética nos anos 70. A qual, recorde-se, acabou por cair pela vontade do seu próprio povo. O mesmo acontecerá com o regime de Putin, pois nenhuma ditadura é eterna.