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O que vai mudar na contratação pública em Portugal

A revisão do CCP, fruto da necessidade de alinhar o código português com as diretrizes europeias da contratação pública,entra em vigor a 1 de janeiro.
17 Dezembro 2017, 14h00

Aquando da publicação em Diário da República do novo Código dos Contratos Públicos, em setembro último, o Governo sublinhava que o diploma – em vigor a 1 de janeiro de 2018 – pretende “simplificar, desburocratizar e flexibilizar os procedimentos de formação de contratos públicos”, bem como, “aumentar a eficiência da despesa pública e facilitar o acesso aos contratos públicos”.

Evidenciando ainda que, fruto das alterações introduzidas para adaptação às diretivas europeias, o decreto-lei passa a considerar como “critério regra” para adjudicação o da proposta economicamente mais vantajosa, “tendo por base a melhor relação qualidade/preço e o preço ou custo, utilizando uma análise custo-eficácia, nomeadamente os custos do ciclo de vida”, o Governo assegurava ainda que “continua a ser possível adjudicar pelo preço mais baixo, quando for esse o critério mais adequado”.

Recorde-se que o decreto-lei 111-B/2017 procede à nona alteração ao CCP, aprovado pelo decreto-lei 18/2008, e transpõe as diretivas europeias 2014/23/UE, 2014/24/EU, 2014/25/EU e 2014/55/UE sobre adjudicação de contratos de concessão, contratos públicos e faturação eletrónica nos contratos públicos.

Principais metas

Sobre o impacto da nova legislação, João Amaral e Almeida, docente da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa e coordenador da pós-gradução em Direito e Prática da Contratação Pública, considera que embora o diploma refira que as inovações se centram, essencialmente, na procura da simplificação, desburocratização e flexibilização, “são poucas as alterações que têm esses objetivos ou que os conseguem efetivamente atingir”. Por exemplo, na consulta preliminar ao mercado (visando dar agora guarida legal a uma atividade informal que as entidades adjudicantes sempre realizaram) é imposta a obrigação de incluir nas peças procedimentais todas as informações pertinentes que foram trocadas”. Por outro lado, acrescenta, estas entidades passam a ter a obrigação de promover procedimentos de contratação em que a adjudicação será feita por lotes, a fim de promover o acesso das PME aos mercados públicos. Porém, “a não divisão do objeto do contrato em lotes implica para a entidade adjudicante a obrigação de fundamentar as razões dessa não divisão, mesmo que essa fundamentação seja a própria incindibilidade do objeto do contrato”.

A estes “exemplos paradigmáticos de que os procedimentos não serão mais simples de organizar”, João Amaral e Almeida junta ainda a obrigação de as adjudicantes terem de fundamentar o “valor estimado do contrato”, a decisão de contratar, o preço base – agora obrigatório no caderno de encargos –; o limiar do preço baixo e os próprios critérios da fixação desse limiar; bem como a adoção de um critério de adjudicação em que não seja submetido à concorrência o preço ou o custo a suportar.

Em seu entender, “também não é verdade que exista qualquer desburocratização dos procedimentos. Pelo contrário, algumas alterações são tiques burocráticos: a circunstância de os anúncios dos concursos passarem a ser considerados peças do procedimento implicou que as suas minutas tenham de ser aprovadas pelos órgãos decisores, o que dantes não era necessário sem que tal afetasse a regularidade do procedimento”.

Em matéria de flexibilização, afirma que “nenhuma das alterações introduzidas a promove, muito provavelmente porque é uma miragem”. Salientando que os procedimentos são “formais e obedecem a regras estritas em nome da segurança jurídica e da igualdade de tratamento”, acrescenta que “a inovação que consiste na possibilidade de serem supridas ‘irregularidades’ das propostas não terá sequer aplicação digna de registo, já que as formalidades impostas pelo CCP são, todas elas, essenciais”.

Também para Jorge Macara, VP Iberia na Vortal, o CCP revisto não trará “alterações significativas” às relações comerciais entre as empresas e o Estado. Ainda assim, identifica como maior impacto, a introdução do novo procedimento por consulta prévia. “Sendo obrigatório convidar no mínimo três empresas, antecipamos que esta alteração vá obrigar, a que as compras sejam feitas de uma forma mais estruturada com níveis de concorrência superiores. Esta alteração legislativa, conjugada com o facto de também ter sido revisto o critério de apuramento dos montantes adjudicados a uma empresa, a partir dos quais a adjudicante fica limitada a voltar a convidar para um ajuste direto ou consulta prévia, que, deixa de ser por categoria e passa a ser por valor global já adjudicado à empresa, provocarão certamente uma maior dispersão das adjudicações, e, consequentemente uma maior abertura dos mercados públicos às PME”. Considera também “muito positivo”, a fixação da proposta “economicamente mais vantajosa” como critério de adjudicação.

Celeridade e concorrência

No que concerne a celeridade, João Amaral de Almeida defende tratar-se de “um erro ou uma ingenuidade acreditar que a celeridade dos procedimentos de contratação pública se obtém à custa da redução dos prazos mínimos fixados na lei para a apresentação das propostas”. Na sua ótica, “a experiência e a prática ensinam que o ‘gargalo’ reside sobretudo no relaxe em que sistematicamente incorrem as entidades adjudicantes quando chegam à fase de tomarem a decisão de adjudicação. Por outro lado, se é verdade que esta alteração do CCP reduz os prazos mínimos para a apresentação das propostas, importa prestar atenção à circunstância de a fixação de prazos curtos ser muitas vezes uma forma de reduzir a concorrência. Por outro lado, com prazos curtos para apresentação das propostas e passando os concorrentes a ter apenas o primeiro terço desse prazo para apresentarem as listas de erros e omissões do caderno de encargos, “serão cada vez maiores os casos em que não lhes é exigível que detetem esses erros e omissões, obrigando as entidades adjudicantes a suportar por inteiro os custos financeiros do seu suprimento”.
Do ponto de vista estrito da política de procurement, considera que a única alteração ao CCP que “pode realmente fazer a diferença” em termos concorrenciais é a permissão para as entidades adjudicantes negociarem o conteúdo das propostas na generalidade dos concursos públicos em que o preço base seja inferior aos limiares europeus. “Mas receio que seja uma alteração sem consequências práticas, tendo em conta a cultura dominante da nossa Administração Pública, pouco habituada às dinâmicas negociais”, remata.

Já Jorge Macara considera ser “claro” o impulsionar da celeridade, justificamndo, desde logo, com o encurtamento de “praticamente” todos os prazos como, por exemplo, na submissão de propostas em concurso público que foi reduzida, a introdução de um prazo para o júri elaborar e disponibilizar o relatório preliminar bem como para a audiência prévia (ambos, três dias na consulta prévia).

O “peso” da faturação eletrónica

A revisão do CCP estabeleceu a transposição da Diretiva Comunitária 2014/55/EU para a legislação nacional, vinculando a obrigatoriedade da Faturação Eletrónica para contratos de natureza pública. As alterações irão alicerçar a desmaterialização integral do processo de compras na Administração Pública, desde o pedido interno, passando pela tramitação e adjudicação do procedimento público, celebração de contrato, até à receção da fatura.

Tendo por base a experiência alcançada ao longo dos últimos 10 anos, e recordando que em 2008 Portugal foi pioneiro na adoção da Contratação Pública Eletrónica, tornando-se um caso de estudo a nível europeu, Pedro Sepúlveda, business development manager na Saphety, acredita que em 2018 será alcançado igual sucesso na adoção da Faturação Eletrónica. Numa lógica de vantagem não só para a Administração Pública, mas também para as empresas, salienta que “existem números que fazem pensar e que colocam o processo de compras em perspetiva” e dá o seguinte exemplo: de acordo com os estudos efetuados pela Billentis, para o comprador, o processamento de uma fatura em papel, desde a receção, codificação, validação, comparação, gestão de disputas, pagamento até ao arquivo, custa cerca de 18 euros. Para o fornecedor, o processo de emissão de uma fatura em papel, desde a impressão, envelopagem, envio, lembretes de pagamento e remessa até ao arquivo, tem o custo aproximado de 11 euros. Com a introdução da componente eletrónica e de automatismos no processamento e emissão de faturas, o recetor obtém assim poupanças na ordem dos 11 euros por fatura e o emissor em cerca de 6 euros por fatura. “Para tornar mensurável esta análise, basta pensarmos numa Entidade que rececione em média 50 mil faturas por ano, representando isto uma poupança de cerca de 500 mil euros anuais, ou seja, consegue desta forma uma redução de 60% dos custos”, conclui.

Impacto no setor segurador: alterações ao CCP trazem credibilidade ao sistema

Atendendo ao peso do setor segurador na economia nacional, importa aferir que impacto terá o CCP revisto nesta esfera. Segundo Luis Arruda, diretor e coordenador do departamento de Contratação Pública da Willis Towers Watson, alterações como a redução do limiar do valor do ajuste direto para 20 mil euros; a criação de um novo procedimento (consulta prévia), com consulta obrigatória a pelo menos três entidades até 75 mil euros; e a promoção e incitamento à formação de contratos por lotes como modelo regra, mudam, desde logo, o cenário atual.

“Relativamente aos dois primeiros pontos vêm trazer mais credibilidade e confiança ao sistema de compras públicas no seu todo, ao reduzir o nível da discricionariedade e número de contratos com eventual possibilidade de favorecimento de alguns operadores económicos, enquanto o último ponto vai permitir e facilitar a intervenção de mais players seguradores (num mercado em que maioritariamente nos concursos só respondem um ou dois concorrentes, e em que se assiste a uma elevada percentagem de concursos desertos)”, explica o responsável.
Luís Arruda identifica ainda, com impacto positivo, a alteração do critério de adjudicação das propostas, antes baseado quase exclusivamente no critério do preço, passando agora a ser “estribado em modelos multifatoriais, fundamentados na proposta economicamente mais vantajosa, deixando assim que as entidades concorrentes sejam apreciadas apenas e exclusivamente com base nos “serviços mínimos”, reforça.

Quanto aos desenvolvimentos em matéria de celeridade e concorrência, considera que as alterações conduzirão “necessariamente à abertura e disponibilidade para a Contratação Pública de novos seguradores especializados em determinado tipo de seguros (aumento da concorrência), o que antes lhes era vedado numa lógica de concurso global, trazendo também vantagens para os corretores de seguros, uma vez que estes novos players seguradores habitualmente delegam esta tarefa nos distribuidores de seguros/corretores de seguros que também sejam especialistas em contratação pública”.

No entanto, ressalva, a celeridade e a concorrência dos procedimentos concursais estão principalmente dependentes de alguns pressupostos, nomeadamente, da melhoria do planeamento dos procedimentos por partes entidades públicas contratantes. “Hoje numerosos concursos públicos são lançados com prazos para apresentação de proposta muito reduzidos (só na primeira semana de dezembro foram publicados 10 concursos para aquisição de seguros que fixavam prazos iguais ou inferiores a 10 dias seguidos para apresentação das propostas), que inviabilizam à partida o sucesso e promove a desconfiança sobre a intencionalidade de tal propósito – favorecer o atual adjudicatário que já está no contrato”, elucida.

Outro dos pressupostos que aponta é a qualidade e exigências dos cadernos de encargos, sobretudo em áreas de elevada especialização que, em seu entender, deviam levar as entidades públicas “a evoluir quanto à sua capacitação técnica, devendo apoiar-se cada vez mais em especialistas para áreas tão específicas, como é o caso da atividade seguradora, com as suas características técnicas próprias (na definição de riscos, coberturas, capitais e franquias adequadas a cada tipo de entidade contratante)”. Luís Arruda aponta ainda a capacidade de resposta em tempo útil das entidades adjudicantes aos pedidos de esclarecimentos, uma vez que cada vez mais estas deixam normalmente as respostas para o último dia do prazo, “o que depois penaliza o tempo de resposta disponível ”, conclui.

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