Depois de uma semana horribilis, marcada pela tragédia provocada pelos incêndios, mas também pelas confusões políticas associadas à família de César e à novela da Agência Europeia do Medicamento – reveladora, até pela dimensão do atrito intra-partidário que criou e que se agudiza, da pulsão centralista e centralizadora do poder político -, sobeja o vazio e faltam as palavras. Aquelas palavras que brotaram em torrente, nos media e em todo o lugar, no rescaldo de uma Eurovisão que paralisou o país, detido de forma comprazida em frente ao espelho e toldado pela sua própria grandeza, numa antecipação gloriosa da silly season 2017, faltam agora estrondosamente. Nem o crescimento homólogo do PIB do semestre entusiasma – incluindo aqueles que não sabem que a base de comparação é assustadoramente baixa e que isso significa, ainda agora, sim, um crescimento fraco e que seguramente virá a revelar-se cada vez mais modesto. A própria alegria suscitada pela gentileza do outlook da Fitch é comedida e parece até conscienciosa, com o propósito de evitar o caricato de aqueles que demonizaram e descredibilizaram totalmente as agências de rating virem agora tecer loas à sua isenção, competência e argúcia.

Tudo parece, feita a limpeza da maquiagem, morno, pantanoso e expectante – do Governo, paralisado pela dependência total em relação ao exterior e ao turismo, mas também em relação ao interior, com os parceiros de coligação a afiarem facas para a discussão do orçamento, até à oposição, timorata e indecisa, passando pelos sindicatos, com a paciência esgotada e atentos ao sinal do PCP para voltarem às ruas e lutarem pelas velhas bandeiras que vai ser preciso desfraldar quando António Costa resolver tirar-lhe o tapete, e terminando no Ronaldo dos ministros das Finanças, que se vai divertindo a semear pela imprensa avisos cifrados e até conselhos em relação ao próximo titular da pasta.

Espero estar enganado. Espero que aquilo que observo não seja um pântano, mas uma verdadeira maturidade tranquila da nova “democracia dos afectos” em que vivemos, com alicerces sólidos e fundos num acordo de governo forjado entre forças políticas responsáveis e confiáveis. Apesar do desprezo pelas finanças públicas, apesar do ódio à União Europeia, apesar da revolta contra a “submissão ao euro”, apesar, no plano internacional, da repulsa pela NATO ou do apoio à exemplar democracia de Maduro porque “no final de 2015 a Venezuela tinha um desemprego mais baixo do que a União Europeia ou o Canadá”.

Apesar das promoções ilimitadas de tudo para todos “sem cortes”. Apesar disso tudo. Mas brevemente o saberemos e pediremos contas a quem de direito.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.