O efeito devastador da pandemia no desporto nacional não se traduz apenas no impacto imediato de uma quebra de 12% de Valor Acrescentado Bruto (VAB) e de 16 mil postos no trabalho recentemente divulgado pelo estudo encomendado à consultora PwC pelo Comité Olímpico de Portugal, Comité Paralímpico de Portugal e Confederação do Desporto de Portugal.

Este setor que em 2019, antes da erupção da crise pandémica, terá gerado um VAB de 4210 milhões de euros e 133 mil empregos, com um peso de 2,3% no VAB e 2,8% nos postos de trabalho nacionais, sofreu em 2020 um abalo profundo na sua estrutura débil e de elevada precariedade, por força, entre outros fatores, do encerramento de 3100 clubes, de um decréscimo de 14% de praticantes desportivos federados para valores próximos de 2015 (589.9 mil), com quebras de 55% nos atletas inscritos nas principais modalidades, com maior impacto na formação desportiva, precipitados pelo adiamento de cerca de 54% das competições previstas, e com isso de toda a cadeia de valor desportivo, a qual recuou por uma década aos anos da intervenção da troika.

Porém, e mais preocupante, o que ressalta deste trabalho surgido de uma moção unanimemente aprovada na 2.ª Cimeira das Federações Desportivas vai bem para além da cruel realidade destes números, ao retratar um sector que não encontra na agenda política o reconhecimento da sua importância profusamente evidenciada quer nos mais diversos indicadores sociais, económicos, de sustentabilidade, inovação e de saúde pública, quer em orientações políticas e documentos de referência internacional – desde logo os objetivos de Desenvolvimento Sustentável ou o Plano de Ação Global para a Atividade Física 2018-2030 – espelhando a ausência e irrelevância de políticas públicas para o desporto em Portugal.

Daí que não possa constituir surpresa que, “em Portugal, o setor não tem sido alvo de destaque a nível estratégico, mas antes incluído em áreas contíguas como a Saúde e o Turismo. São exemplos da inexistência de destaque autónomo a Agenda Estratégica Portugal 2030 e o Plano de Recuperação e Resiliência, onde o desporto se apresenta residualmente em vertentes relacionadas com a componente de saúde, educação e inclusão social, e não com secção própria”.

Em que a “ausência de uma política pública para o desporto nacional ancorada num documento de orientação estratégica com dotação orçamental, objetivos e métricas tangíveis” compromete o futuro desportivo do país, tornando inconsequente ou meramente proclamatório qualquer objetivo de desenvolvimento – do exercício físico à excelência do alto rendimento desportivo – mormente quando o financiamento privado ao desporto, através do consumo das famílias ou do investimento de patrocinadores e empresas, é dos mais baixos da União Europeia, e a despesa pública por habitante (69 euros) fica a mais de 40% de alcançar a média europeia (119 euros).

Por isso, insistir na ideia que um envelope financeiro resolve problemas endémicos de sustentabilidade, sem medidas estratégicas e políticas que traduzam como, de que forma e para que efeito os recursos são investidos na criação de valor por forma a projetar o sector para outros patamares de desenvolvimento, não é mais que comprar tempo e adiar reformas que há muito se impõem a um modelo cuja crise sistémica e défice de competitividade voltam a ser evidenciados.

Findos os Jogos Olímpicos inicia-se um novo ciclo olímpico, e com isso a oportunidade de um quadro de planeamento estratégico para introduzir mudanças nos constrangimentos diagnosticados neste estudo, exigindo mais e melhor a todos os intervenientes no sector, pois torna-se cada vez mais evidente ser inviável recuperar o tecido desportivo nacional do impacto de uma crise estrutural agravada pela pandemia através de cuidados paliativos, conformados com um modelo de desenvolvimento esgotado, de baixo escrutínio, exigência e intensidade política sem estruturas mais profissionalizadas, responsáveis e capacitadas a conceber políticas e gerar valor desportivo ao país nas suas múltiplas dimensões.