1. O processo contra Ricardo Salgado vai ser longo. A acusação demorou seis anos. Pela frente, entre contestações, incidentes processuais, julgamento e recursos teremos sempre uma década; para mais, nunca para menos. Muitos dos 18 arguidos individuais, a que se somam os responsáveis das sete empresas envolvidas, não assistirão ao final desta maratona, na qual a Justiça vai confrontar-se com o excessos de garantias com que o regime armadilhou a Lei para poder socorrer os seus ‘notáveis’ em caso de necessidade. Só por acaso alguém pagará objetivamente na prisão pelos crimes cometidos.

2. Nunca será demais lembrar, a propósito do emaranhado de leis existentes, que o legislador, em muitos casos, é afinal o representante dos grandes escritórios de advocacia que bem avisados andam em enviar os seus operacionais para as listas dos partidos – e daí para o Parlamento e para o governo, onde pensam os prazos, multiplicam as etapas processuais e também estrangulam os meios para a investigação.

Outros ‘colegas’ desses operacionais estão ainda vigilantes no seu papel, paralelo, de comentadores oficiais, sobretudo nas televisões. Os bons profissionais nada deixam ao acaso.

3. Podemos ter uma certeza: durante todo esse tempo que a partir de agora se abrirá à paciência do coletivo dos portugueses, já bem treinados nesse aspeto, os acusados continuarão a ser protegidos por segurança israelita e a beneficiar da riqueza acumulada. Ninguém vai ressarcir as pessoas roubadas durante este processo que o Ministério Público considera ter sido levado a cabo por uma “associação criminosa”, a mesma que, manipulando contas e forjando documentos, cometeu 65 crimes, da já habitual burla qualificada (29) à corrupção ativa (12), passando pela falsificação de documentos (9), branqueamento de capitais (7), infidelidade (às orientações da tutela, o Banco de Portugal – 6), manipulação de mercado (1) e a emblemática associação criminosa (1).

4. Já ninguém se lembra, mas a destruição do BES (paga depois pelo Orçamento do Estado com o dinheiro dos nossos impostos) ao mesmo tempo que arruinou a vida a muita gente, permitiu via de escape para os amigos. A Goldman Sachs teve tempo e sagacidade para vender toda a carteira de lixo. A Portugal Telecom, de Granadeiro e Bava, fechou a conta no banco do acionista depois de ter comprado 900 milhões em papel da Rioforte. Numa extraordinária sexta-feira, em que as ações foram suspensas pela CMVM, 83 milhões delas foram transacionadas em 42 minutos (mais de duas vezes a média diária, até se chegar aos 12 cêntimos por ação!). Os amigos, como sempre acontece nestes casos, financiaram-se na desgraça do pequeno aforrador.

5. E enquanto tudo isto acontecia, o extraordinário Cavaco Silva, cuja última campanha presidencial – sabe-se agora – contou com a generosidade de muitos dos acusados (que depois foram ressarcidos dessas verbas por dinheiros provenientes de um saco azul…) garantia que o banco estava saudável e para as curvas. Foi assim, até, que o BES foi ao último aumento de capital, já para além da linha vermelha. E que a CMVM, desconhecedora da realidade, deu luz verde ao último empréstimo obrigacionista, enquanto Ricardo Salgado, para além dos propósitos individuais de enriquecimento, punha o banco por baixo da ruína do respetivo conglomerado empresarial, o GES, desobedecendo às instruções diretas do Governador do Banco de Portugal.

Este processo, somado a outros, como o da miséria política e pessoal de José Socrates, é um verdadeiro retrato do país. Ao menos, terá esse mérito.