Cabul tem estado sob o olhar do mundo pelas piores razões. Mas na verdade o drama humanitário que se tem vivido no Afeganistão não é de hoje. Só desde 1 de janeiro de 2021 a 14 de agosto, 592.531 pessoas fugiram das suas casas, devido aos conflitos armados, das quais cerca de 80% são mulheres e crianças.

À promessa em novembro de 2020 do então recém-eleito presidente do EUA, Joe Biden, de que retiraria todas as tropas norte-americanas do Afeganistão, juntou-se a confirmação em abril deste ano de que o processo estaria concluído em setembro, para assinalar os 20 anos do 11 de setembro.

Com este anúncio, o processo de tomada do poder pelos talibãs precipitou-se e em dez dias o governo então no poder caiu e, com ele, todas as conquistas que mulheres e crianças haviam conseguido desde 2001. Um véu negro voltou assim a cobrir o destino das mulheres afegãs, de todas nós, que nos revemos não só na condição de género, mas também numa luta que é diária – e mundial – pelo respeito, pela dignidade humana  e pela igualdade.

Antes de as forças aliadas dos EUA terem derrubado, em 2001, o regime talibã então no poder naquele país desde 1996, praticamente nenhuma menina frequentava a escola. No intervalo de tempo que nos separa desse ano, estima-se que milhares de mulheres afegãs frequentaram (ou frequentavam) o ensino superior. Não só as estatísticas e os números referentes à frequência de escola por crianças afegãs são difíceis de obter, como a falta de condições das escolas (ou mesmo a sua ausência) e a distância das mesmas nunca contribuíram para que os números aumentassem de forma estável.

Na verdade, já em 2015 se registava um declínio na educação, sobretudo das meninas e jovens mulheres. A UNICEF, estima que, atualmente, 3,7 milhões de crianças estejam fora da escola no Afeganistão – 60% delas são raparigas.

Com o regresso do regime Talibã, ressuscitou no Afeganistão uma lista de 29 proibições impostas às mulheres, que vão muito para além do véu total com que têm obrigatoriamente de se apresentar em público ou de estarem banidas de frequentar a escola ou de trabalhar, também não podem ser ouvidas a rir, a falar ou a aproximar-se. Com a chegada dos talibãs, e não obstante as promessas iniciais de “moderação”, sucedem-se os relatos de retrocesso e de violência contra as afegãs, naquele que, durante anos, foi considerado o país mais perigoso do mundo para as mulheres e que se encontra, por enquanto, no segundo lugar, depois da Índia.

Antes do regresso dos talibãs, a vida para a maioria das afegãs já era uma rotina infernal, marcada por casamentos infantis, violações e violência física e verbal – mais de metade das mulheres afegãs relataram abuso físico e 17% relataram violência sexual, enquanto quase 60% estavam em casamentos forçados em oposição a casamentos arranjados. Estes são apenas os dados oficiais, muito mais permanece no obscuro e em crescendo. Da comunidade internacional, espera-se muito, muito mais, para que o destino destas mulheres, crianças e minorias não continue a ser negro como o véu que as cobre e as torna invisíveis.