Marta Temido decidiu, finalmente, sair. Digo finalmente não porque tivesse alguma vontade em particular que se fosse embora, mas porque, de um ponto de vista da própria Marta Temido, tenho alguma dificuldade em compreender como é que aguentou tanto tempo.

Do ponto de vista das políticas de saúde acho que fez algumas coisas bem, e outras menos bem. Mas há alguns aspetos do seu caráter e da sua atitude que são inegáveis e meritórios.

Marta Temido foi uma ministra corajosa, perseverante e com uma aparente tranquilidade extraordinária em face da pandemia. Com inevitáveis altos e baixos, a verdade é que nos permitiu passar pela pandemia com calma e sensatez. Apoiada, obviamente, pelo Governo e pela diretora geral da saúde, fez um trabalho notável de navegação nestes últimos três anos.

Todos nós tivemos opiniões sobre o que devia ser feito, todos nós criticámos decisões e opções, certos de que faríamos melhor em determinadas situações. Mas ser “treinador de bancada” é facílimo. No olho do furacão, com a pressão e os holofotes em cima, e sabendo que as decisões tomadas são mesmo as que vingam, a tarefa torna-se extraordinariamente difícil. Nem que fosse só por isso, sinto-me extremamente grata a Marta Temido.

Mas não é só isso! No relatório do Conselho das Finanças Públicas, de junho de 2022, “Evolução do Desempenho do Serviço Nacional de Saúde em 2021”, podemos ler: “Apesar da forte pressão que a Covid-19 continuou a exercer sobre os hospitais do SNS em 2021, com maior visibilidade nos serviços de urgência e nos internamentos (…) estes conseguiram voltar a níveis de produção semelhantes a 2019”.

Claro que a responsabilidade desta retoma não é apenas do poder político, nem somente fruto das decisões de políticas. Já tive a oportunidade de escrever que os profissionais de saúde foram, durante a pandemia, excecionais. Mas as lideranças são cruciais. E estou profundamente convencida de que o conhecimento técnico de Marta Temido, a visão que ela tem sobre o SNS e a sua relação com os privados, bem como as suas características pessoais, foram fundamentais para este resultado.

Não invejo o novo ministro da Saúde. Tem pela frente um caminho muito difícil. Agora que a pandemia já não é o centro de todas as decisões de política de saúde, tem de se olhar de forma séria e profunda para o estado e o futuro do SNS.

Um SNS que em 2021 apresentou um défice de 1,1 mil milhões de euros, com uma dívida a fornecedores externos acima dos 1,5 mil milhões de euros, com um prazo médio de pagamento a fornecedores de 102 dias, e com fontes de financiamento dependentes essencialmente do Orçamento do Estado.

Isto num quadro em que as despesas com cuidados de saúde tendem a aumentar com uma população envelhecida e, felizmente, a viver mais tempo. Num quadro em que se formam médicos nas fantásticas universidades públicas, com um custo elevadíssimo por aluno, e que, depois, muitos deles não ficam a trabalhar no SNS.

Além disso, o novo ministro da Saúde entra em cena num momento de tensão entre os profissionais e o poder político. O bastonário da Ordem dos Médicos parece aplaudir a escolha e pode ser que este aplauso permita algum estado de graça e dê ao ministro algum fôlego inicial. Esperemos que não seja um presente envenenado. Veremos.

Independentemente do que o futuro nos reserve, fica aqui o meu profundo agradecimento a Marta Temido.