Nos últimos anos tem-se desenvolvido em Portugal uma notável campanha no sentido da despenalização do consumo das chamadas “drogas leves”. Esta campanha, que bem podia ser paga pelo crescente interesse de novas áreas de negócio ligadas a produtos farmacêuticos, arregimenta muita gente – e já não apenas os habituais frequentadores da noite, que sempre foram muito recetivos ao tema. De repente, o lóbi apareceu à luz do dia. Nele coabitam militantes de tudo o que seja causa capaz de minar os alicerces da sociedade tradicional portuguesa, porque será coisa urgente “usar drogas com dignidade”.

Ao mesmo tempo, ganhou também espaço mediático uma outra campanha: contra as forças da ordem. Segundo manda a fábula, os polícias e militares seriam agentes do mal. Andarão por aí a violentar populações indefesas e a perseguir minorias, étnicas e outras. O melhor talvez fosse acabar com ‘a tropa’ e reduzir ‘a bófia’ ao mínimo, delimitando esta à complicada gestão do trânsito, em especial ao fim de semana junto de discotecas e outros locais de culto. Alcançaríamos, assim, o nirvana.

Tenho visto a política nacional curvar-se cobardemente a estas teses da inteligência notívaga e do mais folclórico extremismo esquerdista.

Felizmente, esse não é o caso do presidente da Câmara Municipal do Porto. Há meses que Rui Moreira, a propósito de questões de política local relacionadas com o Bairro do Aleixo, protesta contra a falta de efetivos da PSP para o policiamento da cidade do Porto, em especial de alguns bairros. E também, pelo que tenho visto, é o único dos grandes autarcas portugueses que parece genuinamente preocupado com a ausência de uma política nacional de combate ao tráfico de droga.

O que diz Rui Moreira? Pois coisas tão revolucionárias quanto estas: “uma cidade como o Porto não pode viver, em 2018, com o mesmo número de efetivos da PSP com que vivia em 1948”; “desgosta-me que o país não tenha mais meios do que aqueles que aloca ao combate a este flagelo do tráfico de droga”; “temos tido relatos de pessoas que têm medo de sair de casa e quase de ir à janela, dizendo que os bairros foram controlados por gangues”; “o Porto tem territórios debaixo de ameaça, subjugados a um poder alternativo”; “há, em alguns sítios, um supermercado de droga instalado”.

Fico por aqui nas citações.

Rui Moreira, nesta sua luta, já conseguiu do governo central a fantástica autorização para poder pagar à parte, com verbas da Câmara do Porto, a vigilância mais efetiva junto de locais especiais, como escolas, como se esta proteção não devesse ser uma obrigação do Estado. Tudo porque, segundo ele, o espaço público não pode ser tomado pelo tráfico, que o mesmo é dizer pelo crime.

Infelizmente, Portugal não tem muitos políticos com o desassombro do autarca independente do Porto, capazes de reconhecerem que existe um problema real com a droga, que vai, aliás, muito para além dos grandes centros urbanos – já chegou a demasiadas vilas e aldeias de Portugal. A descriminalização progressiva do fenómeno ajudou à criação desta realidade para a qual só acordaremos como acordamos sempre: com o fogo a lavrar sem piedade e a ceifar vidas. Mais de 27 mil pessoas atendidas na rede pública de saúde e 259 mortes relacionadas com o consumo de substâncias ilícitas (dados de 2017) parecem ainda não ser motivo para o devido alarme. Lá chegaremos, infelizmente.