O termo obscurantismo, nas suas diferentes aceções e graus, esteve em evidência este fim de semana, tanto nacional como internacionalmente.

Em Portugal, o obscurantismo enquanto estado de ignorância, esteve presente nas muito acertadas declarações do Vice-Almirante Gouveia e Melo, a propósito de uma inaceitável forma de manifestação que teve de suportar.

Internacionalmente, com a expectável evolução da situação no Afeganistão, o obscurantismo como obstrução sistemática ao desenvolvimento da instrução e do progresso e enquanto verdadeiras trevas sobre as liberdades fundamentais naquela sociedade.

O Vice-Almirante tem provado ter sido uma escolha acertada para a função, substituindo com enormes ganhos a comunicação bicéfala anteriormente assegurada pela ministra da Saúde e, em particular, pela Diretora-geral de Saúde.

Até ao momento, não tinha ainda manifestado a minha opinião relativamente à prestação de Gouveia e Melo por simplesmente estar a executar a missão que lhe foi determinada com competência e zelo.

No entanto, as capacidades de liderança que já tinha demonstrado possuir, no controlo da operação logística, na comunicação com os média e com o público, ou no pedido de responsabilização sempre que foram detetadas falhas na estrutura, foram confirmadas e elevadas a outra dimensão a propósito da pequena manifestação que o interpelou.

A forma calma como lidou com um grupúsculo incompreensivelmente hostil e o que disse na ocasião constituem uma lição a recordar.

Referiu que o uso de linguagem insultuosa nos afasta do estado democrático em que vivemos e que as pessoas têm direito à sua opinião, mas que esse direito não pode condicionar o direito dos outros.

Esta mesma mensagem poderia ser aplicada, mutatis mutandis, no Afeganistão.

O movimento talibã ou, como se intitulam, o Emirado Islâmico do Afeganistão, é um movimento político extremista de inspiração islâmica. Digo extremista e não fundamentalista porque existe fundamentalismo quando os princípios são dirigidos e impostos aos próprios, quando são forçados e impostos a outros, contra a sua vontade, designo por extremismo.

A tomada do poder pelos talibãs, que surpreendeu apenas pela inusitada rapidez, faz descer o véu do obscurantismo sobre o país com todas as injustiças que tal situação irá gerar.

São muitas, algumas delas imprevisíveis, as consequências que dela advirão, nomeadamente no equilíbrio geopolítico no mundo islâmico e no papel dos EUA, e dos países ocidentais, no apoio aos regimes que ainda mantêm algum grau de abertura e até de tolerância política e religiosa.

Mas esta questão coloca, também para nós, inúmeras questões. Nomeadamente no campo da imigração.

Levantaram-se imediatamente várias vozes defendendo a disponibilidade para acolher refugiados. Nada contra, em tese. Apenas gostaria que essas pessoas que tão rapidamente sugerem algo desse género, porque parece bem ou porque se insere na narrativa que pretendem construir, tivessem a noção da dificuldade de executar bem uma operação desse tipo, os custos financeiros da mesma para o país e o risco securitário associado, em particular numa fase em que a entidade fiscalizadora da imigração (SEF) se encontra severamente amputada.

A situação no Afeganistão deveria ser, aliás, um bom alerta para a fragilidade dos países ocidentais em conseguirem acolher todos os que precisam de refúgio, num mundo em que a larga maioria dos países não são espaços de liberdade política e religiosa.

Em Portugal, o véu obscurantista tem, ainda, felizmente, um impacto relativamente menor.

Muito do que vimos naquelas pessoas que se manifestaram contra o Vice-Almirante não era fundamentalismo, mas, antes, extremismo, ou a vontade de impor pela coação moral, a sua própria opinião, ainda que contra a larga maioria. A natureza dos insultos e a vontade confrontacional vão muito para além do aceitável num país democrático.

A extremismos em que vivemos tem como paradigma a equivocidade, o excesso de informação ou a abundância de informação conflituante, bem como o facto das redes sociais darem voz a todos. A primeira exige maior preparação dos cidadãos, em particular ao nível da filtragem das fontes de informação, e a segunda exige ainda mais ao nível da preparação para a emissão de opiniões fundamentadas.

A ausência das duas privilegia o surgimento de epifenómenos como o que aconteceu este fim de semana e ameaça transformar o nosso sistema democrático.