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OE2022 “deixa a desejar”. Economistas defendem reforma do sistema fiscal e da administração pública

Olhando lá para fora, o Bastonário defende um aprofundamento da União Europeia, com partilha de soberanias e um sentido de pertença coletiva. “A zona euro, enquanto expressão mais avançada do projeto de integração, necessita de uma política macroeconómica integrada se se quiser afirmar” no panorama global.
20 Maio 2022, 10h48

O Orçamento de Estado para 2022 (OE2022) tem medidas que “deixam a desejar”. Deve-se olhar para os salários tanto do lado da procura como do lado dos custos, e a redução dos impostos das classes médias devia ser mais efetiva, bem como acompanhada de outros estímulos que impulsionem a economia. O bastonário da Ordem dos Economistas, António Mendonça, disse esta sexta-feira que o crescimento previsto para Portugal este ano é pontual e que faz falta uma “dinâmica sustentada” baseada numa reforma do sistema fiscal e da administração pública.

Durante a conferência ‘O Orçamento do Estado para 2022’, organizada pela Ordem dos Economistas em parceria com o Intitute of Public Policy e com o apoio do Banco de Portugal, que teve o JE como media partner, Mendonça começou por apontar que, desde que a primeira proposta de OE2022 foi apresentada, o contexto e os dados mudaram.

Mencionando a guerra na Ucrânia, as pressões inflacionistas, a ameaça de ruturas no abastecimento de matérias-primas essenciais, a ameaça de uma regressão da globalização, e a alteração radical do quadro geopolítico e geoeconómico de referência, o Bastonário resumo: “o futuro é uma enorme incerteza”, o que dá “uma particular responsabilidade a quem tem de tomar decisões neste contexto”.

As previsões são muitas: a Comissão Europeia reviu em alta a previsão para o crescimento económico de Portugal em 2022 para 5,8%, e o FMI para 4,5%, enquanto o previsto pelo Governo no OE2022 é de 4,9%. Assim, prevê-se que tenha o maior desempenho económico da zona euro, ultrapassando países economicamente dinâmicos como a Irlanda. É esperada uma retração na UE, com crescimento revisto em baixo que ronda os 2,7% em 2022 e 2,3% em 2023, cita. Fazendo as contas, espera que o PIB cresça entre 4% e 5,8%.

As disrupções dos mercados das commodities, com realço para a energia, mas também para a logística internacional, — que vêm de trás, mas que se acentuaram com a guerra —  são as principais causas apontadas para este cenário.

António Mendonça destaca que as previsões internacionais estão em linha com as do INE que, no primeiro trimestre de 2022, que aponta para um crescimento homólogo de 11,5% e em cadeia de 2,6%. É um dinamismo confirmado pelo Banco de Portugal, que indica “uma certa resiliência da economia portuguesa face ao que se está a passar na Europa e no mundo”.

Em 2023, mais do mesmo depois de um ano de crescimento

Em relação à inflação, dados da CE e do INE, referentes a abril, apontam para uma taxa de 4,4%, inferior à média europeia de 6,1%. “Para 2023, parece que tudo volta ao mesmo. Crescimento reduz-se para metade na casa dos 2,7% e que pouco supera a média da zona euro, que se espera nos 2,3%; e a inflação a recuperar a trajetória anterior e a fixar-se nos 1,8%, em comparação com 2,3% da média europeia”, salvaguarda.

De acordo com as opiniões generalizadas, aponta, as causas para o sucesso temporário de Portugal são o afastamento da zona do conflito, a reduzida dependência energética da Rússia, a recuperação do turismo, e a recuperação de uma forte queda registada em 2020.

“Não é uma dinâmica de crescimento suficientemente sustentada para se projetar para além deste horizonte, e que é um problema que se afirma há duas, três décadas, não obstante momentos fogazes” como o que assistimos agora, bem como as suas razões.

Focando-se novamente na inflação, salvaguarda que a teoria da espiral salários/preços, “agora recuperada para explicar a subida das taxas de juro por parte do BCE”, foi idealizada na década de 70, numa situação em que as dinâmicas em jogo eram diferenciadas. Contudo, acha necessário refletir sobre a natureza da inflação agora: se conjetural ou persistente.

“É preciso ser prudente no aumento das taxas de juro”, como têm alertado os responsáveis do BCE, mas também do Banco de Portugal. Que não se repitam os erros entre 2008 e 2010, quando o BCE subiu as taxas de juro, contribuindo decisivamente para as dinâmicas de recessão, alertou. “O risco é de uma nova recessão, europeia e de Portugal, de dimensões muito fortes”.

Relativamente à matéria orçamental e à recuperação do poder de compra dos portugueses, “a ideia de olhar para os salários meramente pelo lado dos custos deve ser contrariada”, defendeu. “Devem ser vistos também do lado da procura”, especialmente se se tiver em conta que não é garantido que o comércio internacional recupere as taxas de crescimento que tinham há alguns anos, concretamente antes de 2008/2009″.

Por isso, argumenta que a “procura interna deve continuar a  ser fundamental para o desenvolvimento”, tendo as classes médias um papel decisivo na inovação e dinamização económica. É, então, necessário salvaguardar o seu poder de compra.

As medidas contempladas no Orçamento para atenuar os efeitos da guerra e recuperar os rendimentos das famílias são importantes e necessárias, mas tímidas tendo em conta a situação. Em concreto, refere os apoios às camadas mais vulneráveis justificadas pelo aumento do preço do gás e do cabaz alimentar.

“Mas deixam a desejar. A redução dos impostos das classes médias devia ser mais efetiva, designadamente através do aumento do limiar de aplicação da taxa máxima de IRS”, e devia ser acompanhada de outras medidas estímulo para uma maior participação desta camada na economia.

Defende uma reforma do sistema fiscal, “tornando-o numa ferramenta de crescimento económico e inovação, e não simplesmente como um instrumento de produção de receitas seguras para cobrir as receitas do Estado”.

Olhando para além do OE2022, julga ser importante “proceder a uma reforma da administração pública, no sentido de atrair as maiores competências e de a tornar um driver efetivo da transformação estrutural que o país necessita”. “Este Orçamento devia constituir um primeiro passo”, aponta.

Até à elaboração do Orçamento para 2023, o Governo devia aproveitar para promover um pacto para o crescimento mobilizando diferentes agentes económicos para produzir estratégia de crescimento, estabilidade e confiança de longo prazo. “Está em causa a afirmação de um novo modelo económico que reduza a dependência extrema de estímulos externos”, bem como uma maior diversificação produtiva.

Olhando lá para fora, o Bastonário defende um aprofundamento da União Europeia, com partilha de soberanias e um sentido de pertença coletiva. “A zona euro, enquanto expressão mais avançada do projeto de integração, necessita de uma política macroeconómica integrada se se quiser afirmar” no panorama global, especialmente num contexto em mudança como este. “Quanto mais tempo demorar mais difícil será afirmar-se como ator de primeiro plano”, frisa, acrescentando que Portugal deve ter um papel ativo nesta transformação.

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