Começamos a entender o tiroteio contra o dito Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) das CIP – da CIP propriamente dita, da CIP mediática, através de inúmeros comentadores e articulistas, e da CIP partidária (PSD, CDS e outros) – para abocanhar uma parcela muito maior dos dinheiros da chamada ‘bazuca’. Maior do que aquela que generosamente o Governo PS lhe tem destinado.

A razão é simples e o argumento é forte. O grande capital português precisa dos lucros que realiza para pagar dividendos. Logo, a necessidade de muito dinheiro público para investir e reinvestir e acumular capital. É o que mais uma vez se comprova quando lemos os Relatórios de Actividade e Contas de 2020 referentes aos principais grupos económicos e grandes empresas.

Mais uma vez a viverem acima das suas possibilidades, distribuem dividendos pouco consentâneos com os resultados obtidos. Globalmente, os 13 grupos do PSI 20 distribuíram em dividendos 85,4% dos lucros líquidos de 2020. Pior ainda, cinco (F. Ramada, NOS, Sonae SGPS, ALTRI, REN) distribuíram em dividendos mais do que tinham obtido em lucros, e a BRISA, “chapa ganha, chapa batida”, distribuiu um valor igual ao lucros realizados. Assim se percebe, também, que as muito poucas famílias accionistas de grandes empresas tenham recebido, em 2020, 7,4 mil milhões de euros de dividendos, mais 332 milhões de euros do que em 2019! E 2020 foi um ano de redução (com poucas excepções) dos lucros.

E tem valido tudo (agora e num passado recente) para assegurar o “bodo aos pobres” de um bom dividendo: o endividamento, a ida às reservas, a venda de activos, como fez a EDP e a GALP. Diz o Presidente da Endesa Portugal que se trata de “rotação de activos”. Sim, mas uma rotação que não dá a volta completa, pois acaba sempre no bolso dos accionistas!

A esta sofreguidão do grande capital português na descapitalização do tecido económico nacional, deve-se acrescentar a “exportação” brutal de rendimentos (dividendos, lucros distribuídos e juros) realizada pelo capital estrangeiro cá sediado.

Este esvaimento do capital produzido no bolso accionista está bem visível nos valores e evolução do “stock de capital por empregado” em percentagem do “stock de capital por empregado” na União Europeia (UE) e na zona euro (ZE). Em 2021, os valores previstos apontam, respectivamente, para 55,9% face à média da UE e 48,8% face à média da zona euro. Comparando com os dados de 2011, teremos uma queda de 7 pontos percentuais face à média da UE e de 6 face à média da ZE! (1)

Mas o acréscimo deste rácio – “stock de capital por empregado” – é o factor nuclear para o crescimento de produtividade de uma economia. E a sua comparação com outros países permite dar conta da competitividade relativa. Mas em Portugal o grande capital resolve a baixa competitividade com baixos salários – ai se alguém pia pela subida do SMN! –, e com o choradinho da “carga fiscal” – reclama baixa de IRC, a par de exonerações, benefícios e evasões fiscais! Como último recurso, lá vem o peditório dos fundos comunitários/fundos públicos dos contribuintes, como mais uma vez sucede com os dinheiros da ‘bazuca’!

Não houve por aí alguém que falou do “capitalismo dos stakeholders”, e do “capitalismo ético”?!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

 

(1) Os dados referidos constam do Estudo de Eugénio Rosa «O modelo de “desenvolvimento” de Portugal continua a basear-se em baixos salários…» de 10ABR21.

Nota de correcção do art.º de 01ABR21: no fim do texto, onde ficou escrito: “(…) viu o valor das seis barragens multiplicar-se por 1500!”, devia ter-se escrito: “(…) viu o valor das seis barragens multiplicar-se por 15,5 (uma valorização de quase 1500%)!”.