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Oito meses atrasadas, regras mais apertadas dos mercados chegam a Portugal

Lei que transpõe a diretiva europeia dos mercados financeiros entra esta quarta-feira em vigor, a par de novos regimes que limitam a comercialização de produtos complexos. O objetivo é aumentar a transparência e a proteção dos investidores.
  • Brendan McDermid/Reuters
1 Agosto 2018, 07h23

As regras da comercialização de produtos financeiros mudam a partir desta quarta-feira, dia 1 de agosto. A par da transposição da revisão da Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (DMIF II) – que devia ter sido transposta para a lei portuguesa em janeiro -, entram oficialmente em vigor outras medidas que visam simplificar a informação e reforçar a proteção dos investidores.

“Todas estas alterações representam diversas alterações ao ambiente jurídico em que os bancos operam”, explica João Dias Lopes, Associado Sénior da PLMJ Direito Financeiro e Bancário, em declarações ao Jornal Económico. “Muitas alterações já têm vindo a ser antecipadas pelos bancos, mas com a efetiva aplicação destas regras começa agora um período de aprendizagem de bancos e supervisores”.

Após a publicação em Diário da República, dia 20 de julho, a lei é aplicada a partir desta quarta-feira. A nova regulamentação prevê uma série de mudanças, que visam reforçar a proteção dos investidores, incluindo a padronização da informação pré-contratual ligada à oferta de instrumentos financeiros a clientes não profissionais.

Entre as principais mudanças incluem-se:

  • imposição de testes de adequação mais detalhados antes da comercialização de produtos e serviços mais complexos;
  • obrigatoriedade de registo e preservação de comunicações com os clientes na negociação de produtos;
  • limitação dos produtos financeiros considerados ‘não complexos’;
  • diferenciação formal entre produtor (que desenvolve um produto financeiro e define o perfil de risco) e distribuidor (que comercializa e avalia a apropriação do produto ao cliente);
  • proibição de remunerações não previstas aos intermediários financeiros;
  • limitação das possíveis situações de conflito de interesse;
  • colaboradores têm até, até final de 2019, qualificações específicas e quem não o tiver (estagiários, por exemplo) não poderá realizar uma transação sozinho;
  • cada interveniente (intermediário e cliente) passa a ter um novo código alfanumérico (código LEI) que dá uma única entidade na realização de uma transação financeira;
  • notas de análise e research passam a ser pagos, em vez de incluídos em pacotes de serviços; e
  • reforço dos poderes conferidos às autoridades de supervisão no que concerne a comercialização de instrumentos financeiros.

Reguladores ganham poderes reforçados

O objetivo das novas regras é aumentar a transparência e reforçar a proteção dos investidores. “Acaba agora o tempo em que se vendia tudo a todos”, dizia o secretário de Estado, Ricardo Mourinho Félix, em fevereiro, quando levou a proposta ao Parlamento, explicando que os supervisores passam a ter um poder reforçado para fiscalizar a obrigatoriedade de os bancos promoverem a venda de produtos junto apenas de quem clientes a quem estes são adequados.

“Compete ao Banco de Portugal a fiscalização do cumprimento das obrigações decorrentes do presente regime para as instituições de crédito que comercializam depósitos estruturados, para as entidades habilitadas a prestar serviços de consultoria relativamente a depósitos estruturados e respetivos agentes vinculados, bem como a aplicação, se for caso disso, das respetivas coimas e sanções acessórias”, explica a lei.

Os incumpridores vão pagar multas pesadas. Contra-ordenações especialmente graves serão puníveis com sanções entre os 10 mil e os cinco milhões de euros, no caso das empresas, ou entre quatro mil e mil milhões de euros, no caso de pessoa singular.

Quanto à relação com os clientes, entram nesta categoria, a não avaliação da adequação do perfil do cliente ao depósitos estruturados, antes da comercialização, bem como não prestação de serviços de consultoria ou a violação das regras relativas à prestação de informação na comercialização de depósitos, relativas à categorização de clientes no contexto da comercialização de depósitos estruturados.

Já em relação aos colaboradores, considera-se contra-ordenação grave infrações às normas previnem que os objetivos de vendas individuais não entrem em conflito com os interesses dos clientes, bem como às regras que relativas aos conhecimentos e competências, que obrigam a que todos os colaboradores passem a ter, até final de 2019, qualificações específicas.

Além da DMIF II, há outras regras a chegarem

“É importante notar que esta nova lei, além de transpor a DMIF II (cujas alterações já vinham sendo antecipadas pelo mercado) inclui ainda outras matérias relevantes”, referiu Dias Lopes.

O Associado Sénior da PLMJ Direito Financeiro e Bancário destaque que, esta quarta-feira, entram também em vigor as normas de execução do Regulamento PRIIPs, “com a introdução de regras específicas para Portugal para a comercialização de produtos complexos, mas também a adaptação do regime nacional ao regulamento europeu sobre transparência de operações de financiamento através de valores mobiliários ou o regulamento europeu sobre índices de referência”.

“Adicionalmente, a nova lei aprova três diplomas relevantes: o novo regime para a comercialização de depósitos estruturados; o regime de comercialização de produtos complexos (PRIIPs); e o novo regime jurídico das centrais de valores mobiliários (na sequência da entrada em vigor do Regulamento europeu sobre centrais de valores mobiliários)”, acrescentou.

Assim, as competências de supervisão ficam divididas consoante a natureza dos produtos. O Banco de Portugal supervisiona depósitos estruturados, enquanto a CMVM fica com organismos de investimento coletivo (OIC), fundos de titularização de créditos (FTC), obrigações titularizadas, instrumentos financeiros derivados, valores mobiliários de estrutura derivada, outros valores representativos de dívida com possibilidade de reembolso abaixo do valor nominal e produtos duais ou produtos semelhantes.

À ASF competem os a unit linked (que deixam de ser classificados como PRIIPs) e produtos de seguros de vida. Além da supervisão, ficam proibida a publicidade a PRIIPs sem aprovação da autoridade de supervisão.

Atraso deu tempo às empresas para se adaptarem

Portugal devia ter transporto a diretiva para o direito português em janeiro e a Comissão Europeia chegou a lançar um processo de infração por atraso na transposição. Na mesma situação que Portugal, estavam outros 11 países, mas a expetativa é que Bruxelas revolva a questão com uma advertência pois o hábito é de apenas avançar para medidas sancionatórias quando não vê os governos a fazerem planos para cumprir.

Ao nível das empresas, o especial Dias Lopes considera que o atraso não terá um impacto significativo, tendo em conta que a DMIF II é concretizada através de um vasto número de regulamentos europeus.

“Com a transposição efetuada, a articulação entre o quadro jurídico nacional e europeu fica agora mais claro para todos, mas as regras já eram na sua maior parte conhecidas e muitos intermediários financeiros já tinham antecipado a implementação dessas alterações”, refere.

“Existem ainda algumas matérias que implicam alterações relevantes (p. ex., inducements e product governance) e que estavam completamente dependentes da transposição para o ordenamento interno. Nesse caso o atraso na transposição deu algum tempo adicional para adaptação a nível nacional”, acrescentou.

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