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Olhar o mercado de arte a partir de Portugal

Os galeristas e colecionadores com quem o JE falou confluem na importância das galerias para artistas e compradores. Digitalização traz desafios, tal como o facto de não se perfilarem novos colecionadores. Ambição precisa-se. A 6ª edição da ARCOlisboa acontece de 25 a 28 de maio na Cordoaria Nacional.
23 Maio 2023, 17h17

Uma feira de arte só existe, e tem razão de ser, se for apelativa para as galerias. A mensagem de Maribel López, diretora da ARCO, é clara, ou não fosse a “enorme oferta que existe noutras feiras de arte contemporânea espalhadas pelo mundo o maior desafio de uma feira atualmente. Os colecionadores são mimados pela escolha. É preciso saber diferenciar-se”. Ou seja, sem a adesão dos galeristas, não haveria feira, não viriam colecionadores, diretores de museus, comissários de bienais, críticos de arte, jornalistas.

Pode parecer que os artistas não existem. Nada de mais errado. Sem as suas obras, qual seria o propósito das galerias? A questão aqui não é essa, mas sim saber o que pensam colecionadores e galeristas sobre os desafios que se colocam à ARCOlisboa e ao mercado de Arte, sem esquecer a opinião de quem dirige esta Feira Internacional de Arte Contemporânea. Para mais quando, à 6ª edição, a frase que mais ecoa é ser “a maior feira de sempre” desde que atracou em Lisboa: 86 galerias de 23 países, das quais 25 galerias nacionais, i.e., 30% do total de presenças, correspondendo o segmento internacional a 70%, i.e., 61 galerias.

Questionada sobre se a ARCOlisboa é uma aposta ganha e qual o papel que esta tem tido na valorização e internacionalização de artistas portugueses, Maribel López  explica que “uma das principais razões para a criação da ARCOlisboa foi aumentar a visibilidade e internacionalização da atual cena artística portuguesa, em diálogo com a arte espanhola e europeia, paralelamente a uma seleção criteriosa de artistas africanos”, sublinhando que se trata de “um trabalho e uma ligação que já existia e que a ARCO reforça”.

Cristina Guerra, a maior galerista no mercado nacional, mentora da Cristina Guerra Contemporary Art e que, durante anos, fez parte do Comité de Galerias da ARCO Madrid, afirma “não sei se a ARCOlisboa é uma aposta ganha. É uma feira que tem que ganhar dimensão para ser uma feira internacional, que é o seu propósito, caso contrário, limitar-se-á a uma feira local”. Já Mário Silva, galerista da Lehmann + Silva, considera que “todos os investimentos e incentivos em prol da arte e da cultura são apostas ganhas a médio e longo prazo. Acredito que a ARCOlisboa não será exceção e pode vir a ser um pilar importante para o panorama artístico da cidade”. Mas, conclui, “é preciso mais ambição e coragem para deixar a feira crescer”. Para a galerista italiana Paola Capata, da Monitor, uma das galerias presentes na 6ª edição da feira, “a ARCO é uma instituição em Espanha e vejo-a como uma das melhores feiras do mundo da arte. A de Lisboa tem muito potencial e está a melhorar ano após ano. Pode, naturalmente, desempenhar um bom papel na internacionalização dos artistas portugueses”.

No caso do colecionador António Moutinho Cardoso, sendo a ARCO “praticamente a única feira de arte existente em Portugal, é claramente importante para o panorama artístico. Não só divulga artistas e galerias nacionais, como promove o gosto pelo coleccionismo e aí é uma aposta ganha”. Expectativas para os próximos dois anos? “Com cada vez mais residentes expatriados a viverem em Lisboa, nomeadamente americanos, o seu peso cultural e económico aumentará naturalmente nos próximos dois anos”. A colecionadora Filomena Marques, por sua vez, considera que “a ARCOlisboa é ainda um projeto em crescimento, que pode beneficiar da presença dos expatriados na cidade, gente com um poder aquisitivo superior à média nacional. Dificilmente captará mais mercado, entre os nacionais, do que aquele que já mobilizava em Madrid, os clientes das galerias, as pessoas que já viajavam para comprar. Pode contribuir para a renovação ou formação de novos públicos”.

No que respeita à internacionalização dos artistas, realça que essa “passa pelas galerias, pelos curadores, pelos próprios artistas que devem saber articular-se com outros agentes do setor, estar atentos às oportunidades”. A colecionadora acrescenta, a propósito, que “seria interessante para os artistas portugueses contarem com o suporte do Ministério dos Negócios Estrangeiros, para poderem ter peças, num regime de comodato, nas representações diplomáticas portuguesas, como forma de divulgação e de modernização da imagem do país”.

“Nada substitui ver obras de arte ao vivo”

Para as galerias, os principais desafios elencados são, na perspetiva de Cristina Guerra, “a falta de apoios”, no caso das galerias que “tenham o propósito de internacionalização e que existem na maioria dos países civilizados, a falta de um museu que crie novos públicos, o que até há cerca de 20 anos era colmatado pela Fundação Calouste Gulbenkian. Não é normal que o público só consiga ver exposições temporárias nos diferentes espaços públicos existentes como o CCB, Serralves, Gulbenkian, etc.”. A galerista realça que “sem um museu não há legitimação, referências ou noções históricas de arte contemporânea para que seja possível a percepção de que há um passado, um presente e, portanto, um futuro”.

Ainda na questão dos desafios que se colocam às galerias, Mário Silva, cuja galeria também está presente na edição deste ano da ARCO, refere que, “embora o número de visitantes aos museus tenha vindo a crescer, a compra de obras de arte está a diminuir. Os consumidores procuram, cada vez mais, experiências e cada vez menos ativos tangíveis. A classe média não tem poder de compra para adquirir. Infelizmente, estamos cada vez mais longe da democratização da arte”.

Quanto ao papel desempenhado pela Feira Internacional de Arte, o colecionador António Moutinho Cardoso explica que Portugal, “em termos europeus, é um país de dimensão média, mas em termos de mercado de Arte, está na cauda da Europa. Poucos artistas nacionais se têm afirmado fora de Portugal e, por isso, é sempre muito importante haver eventos como a ARCO para a valorização dos seus trabalhos, até porque durante a Feira acorrem centenas de colecionadores internacionais que acabam por conhecer e adquirir as suas obras de arte, além obviamente de visitarem museus, galerias e ateliês”.

Outra questão abordada, foi o peso que a crescente “desintermediação”, i.e., o facto de cada vez mais os artistas poderem chegar a compradores sem mediadores, pode ter para os colecionadores.

Para Filomena Marques, “a relação com artistas emergentes e consagrados é, tradicionalmente, intermediada pelos galeristas. O suporte de um galerista é muito relevante para a carreira de um artista, para o seu lançamento, para a sua legitimação, para os contactos ao longo da vida com compradores, particulares ou institucionais, para a entrada nas grandes coleções e museus, para a sustentabilidade de um percurso. Aos artistas compete investigar, criar e produzir, muitas vezes com o patrocínio de galerias ou de mecenas/comitentes/compradores angariados pelos galeristas, o que contribui para a estabilidade e segurança financeira dos artistas, e logo para a sua liberdade criativa”.

Observa, igualmente, que “um galerista é muito mais do que um simples intermediário ou comissionista. É alguém que dá garantias, aos colecionadores, que este ou aquele jovem artista poderá ascender a outros patamares, e que não vai deixar de produzir para se dedicar a outras atividades. Porque existem casos, em que as pessoas optam por outras carreiras, muitas vezes por dificuldades financeiras. Não é apenas uma questão de rentabilidade, mas de assegurar que uma determinada pessoa que tem talento, que teve uma formação adequada, tem as condições necessárias para fazer a sua pesquisa, criar e produzir um trabalho relevante e que o vai desenvolver ao longo dos anos”, conclui Filomena Marques.

“Agora é muito mais fácil para quem produz mostrar o trabalho nas redes sociais, mas essa possibilidade não é tudo. Há muito ruído, uma imensa oferta, navegar nessas águas exige esforço, tempo e conhecimento. Acho que mesmo quando existe uma relação pessoal com um artista não se deve prescindir do galerista, se este existe. É uma questão ética”, remata a colecionadora. Na ótica da galerista Cristina Guerra, “a desintermediação sempre aconteceu e é uma das causas da falta de cotação de grande parte da arte portuguesa. É uma realidade própria (do segundo,) do terceiro mundo”.

Para o galerista Mário Silva, “existem hoje variadíssimas ferramentas que permitem os artistas chegar diretamente ao mercado e julgo que isso é benéfico. No entanto, o mercado é cada vez mais profissional e sensível, e as galerias podem e devem ser um parceiro essencial no percurso de um artista”. Nesta questão, Paola Capata frisa que, “hoje em dia, com todas as plataformas sociais, é muito fácil estar em contacto direto com a fonte primária da arte: os artistas. Por outro lado, também acho que, mesmo que isso possa parecer muito atrativo num primeiro momento, os compradores preferem relacionar-se com galerias, como sinónimo de garantia e proteção”.

E até que ponto a digitalização está a transformar o mercado de Arte, quisemos saber. Na opinião da diretora da ARCO Maribel López, “a digitalização tem ajudado desde a sua origem pela sofisticação e evolução das capacidades ou possibilidades de acesso a mais informação, mas não creio que tenha necessariamente mudado a abordagem à arte”. Cristina Guerra defende que “a digitalização, no que diz respeito ao mercado de Arte, facilita a divulgação e a venda essencialmente de valores seguros, desde que o comprador tenha um bom conhecimento da obra do autor e/ou uma confiança absoluta na pessoa que promove a venda”.

Mário Silva e António Cardoso confluem neste tópico quanto à importância de ver uma obra ao vivo. A digitalização “é importantíssima para estabelecer uma relação de transparência, proximidade e confiança com todos os intervenientes”, para a galerista italiana esta “está, sem dúvida, a transformar o mercado de Arte, mas, contrapõe Mário Silva, “vale sempre a pena ver uma obra ao vivo e entrar no espaço físico de uma galeria”. Na perspetiva de António Moutinho Cardoso, “a digitalização da arte ficou na moda com a pandemia, porque o público não tinha acesso a Museus e Galerias. Aceder ao Museu do Louvre online ou à Feira de Basel online pode ser um bom instrumento de estudo ou lazer, mas não há nada que substitua ver ao vivo as peças de arte. A actual exposição no Rijksmuseum, por exemplo, tem uma afluência tão grande que os bilhetes chegam a ser leiloados na eBay por 10 vezes o valor base de venda nas bilheteiras”. E conclui afirmando que, “pessoalmente, como colecionador, a digitalização da arte é uma boa base de trabalho, mas nunca substitui uma obra ao vivo”.

Correr riscos e alargar o mercado de arte contemporânea a novos públicos

É consensual que o pós-pandemia não trouxe um novo perfil de comprador ao mercado global de Arte, mas, como seria expectável, as respostas assumem diferentes ângulos quando o “risco” é colocado sobre a mesa. Colecionadores e galeristas arriscam e procuram novos artistas, ou apostam, acima de tudo, em nomes seguros?

Maribel López, diretora da ARCO, refere com agrado que, “no caso da ARCO temos o orgulho de dizer que sim, os colecionadores arriscam. E a ARCO sempre optou por novos artistas, oferecendo conteúdos escolhidos criteriosamente com a ajuda do Comité Organizador e dos curadores dos diferentes programas”. Especifica ainda que a feira é uma referência no que respeita ao seu compromisso para com “a pesquisa de novos criadores e a descoberta de artistas, e não apenas valores seguros”.

A galerista Cristina Guerra observa que “o investimento em novos artistas e valores seguros é próprio das crises económicas e da falta de visão e ignorância do público em geral”, e acrescenta que “a confiança e a relação pessoal estabelecida entre colecionadores e galerias é absolutamente essencial para o desenvolvimento do mercado de arte contemporânea”. António Moutinho Cardoso alega que “há colecionadores e colecionadores, e são eles em parte que ditam o futuro da história da arte. Eu apenas posso falar por mim. No meu caso, gosto de correr riscos e apostar em jovens artistas em detrimento dos ditos blue chips, mas a relação que tenho com as obras não tem nada a ver com investimento e sim com paixão e amor pela arte. E aquilo que nós amamos nunca pode ser contabilizado como se tratasse de um balanço de uma empresa”.

A visão de Filomena Marque entronca na afirmação anterior. Ou seja, “investir implica uma estratégia, um objetivo, e uma vontade de garantir lucros. Colecionar, embora implique um pensamento estratégico, é outra coisa, menos interesseira. Nós [família], preferimos encontrar pessoas cujo trabalho nos interessa, com o qual nos identificamos, e apoiar esse trabalho. E há reviravoltas interessantes, gente que caiu no esquecimento e que é recuperada, ou que ganha outra visibilidade depois de anos menos bons”. E completa dizendo que “há quem arrisque, o que é sempre gratificante, e existe quem prefira a aquisição de nomes consagrados. No nosso caso, creio que o artista mais velho é um japonês do Movimento Fluxus, Tatsumi Orimoto (1946), e os outros veteranos serão Ricardo Calero (1955) e Eugénio Ampudia (1958), e talvez os mais novos sejam o Pedro Vaz (1977) e a Ana Fonseca (1978), o Jorge Santos (1974) e a seguir a Sandra Gamarra (1972), que vai representar Espanha na próxima Bienal de Veneza”.

Mário Silva, da galeria Lehmann + Silva, sublinha que “o colecionismo não pode, nem deve, ser visto como um investimento. Mas em tempos de inflação elevada, vemos muitos clientes à procura de nomes seguros”. Em contrapartida, “os colecionadores mais experientes apostam cada vez mais nos jovens artistas”.  Paola Capata fala nas opções da Monitor, cujo diálogo é feito “com artistas de diferentes gerações, desde muito jovens a consagrados”. Mas salienta que os colecionadores com quem trabalha “arriscam e também investem em jovens emergentes”.

Ouvimos, também, o testemunho de Juana de Aizpuro, fundadora e primeira diretora da ARCO Madrid – e a responsável pela internacionalização de nomes como Julião Sarmento, Pedro Cabrita Reis, Rui Chafes e José Pedro Croft –, para quem “os colecionadores procuram nomes seguros e, na atualidade, procuram acima de tudo os mais baratos. Além de pedirem grandes descontos”. Sobre os desafios que as feiras de arte contemporânea enfrentam, Juana de Aizpuro considera que “o maior obstáculo é a questão económica, porque as feiras são hoje muito caras, especialmente a de Basileia, uma vez que há uma série de galerias influentes com grande poder económico que não se importam de pagar um pouco mais todos os anos. E como as feiras são feitas para estas galerias, se elas estiverem felizes, todos ficam satisfeitos. Por outro lado, é importante ir a feiras, especialmente as galerias de certos países, como Espanha e Portugal, por serem mais periféricos”.

Não menos importante é perceber que perceção têm sobre se o mercado de arte contemporânea se alargou a novos públicos. Para Cristina Guerra, isso aconteceu, “de alguma forma, em virtude de Portugal se ter tornado um país menos periférico”. Filomena Marques, por sua vez, afiança que se trata de “uma área dinâmica. Lisboa tinha no ano passado a ARCO e a Just Lx, depois há a Drawing Room na Sociedade Nacional de Belas Artes. E abriram galerias, algumas como a Monitor, vindas de outros países, e a Jane Bucher Jagger, parisiense, e que representou Vieira da Silva e agora tem três artistas nacionais. Apareceram projetos com gente vinda de fora ou que mudou de área como a Madragoa, Movart, This is not a White Cube ou Balcony”. E conclui que, “forçosamente, terá de ter havido um alargamento do mercado, senão nada disto seria sustentável”.

Maribel López expressa a sua certeza, especificando que “há novos públicos, sobretudo a nível geracional. Há mais jovens interessados em arte contemporânea e, na ARCOlisboa, também percebemos que muitos novos residentes, i.e., pessoas que escolheram Portugal para viver, mostram um interesse crescente pela cena artística portuguesa, pela sua riqueza e diversidade”. Mário Silva partilha desta perspetiva quando afirma que “a vaga de imigração para Portugal tem trazido clientes e colecionadores interessantes e com muito potencial, daí ser importante estabelecermos a ponte entre eles e os artistas portugueses”. Até porque, ressalva, “o mercado português é limitado, sendo essencial encontrar novos públicos. E a ARCOlisboa desempenha aqui um papel fulcral”.

Muita coisa está a acontecer no mercado global de arte. Houve um incremento nos números, maiores cotações para os nomes consagrados, aumento dos valores obtidos nos leilões, arte digital. E o mundo estará certamente diferente dentro de dois anos. Ora, foi esta a baliza temporal da pergunta feita à diretora da ARCO, Maribel López: quais as suas expectativas para a ARCOlisboa nos próximos dois anos? “Consolidar o crescimento que a feira tem registado” e que se antecipa nesta sexta edição. “Sempre com um número de galerias que faz sentido, mas no intuito de consolidar essa participação. Além disso, queremos manter a especificidade do conteúdo desta feira em comparação com outras”.

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