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Olhar o mundo pela primeira vez através de um robalo

Uma peça a quatro mãos tem estreia absoluta a 24 de maio, no Mercado do Rato, em Lisboa. “Este peixe é um robalo” marca o início do Festival Temps d’Images, a decorrer até dia 11 de junho em vários espaços da capital.
  • “Este peixe é um robalo”, Nuno Rodrigues
19 Maio 2023, 11h40

Se o cartaz eclético do Temps d’Images chama a atenção, a peça centrada num robalo não passa menos despercebida. Até porque a nota de humor que transparece na sinopse de “Este peixe é um robalo” suscita mais interrogações do que respostas. Senão vejamos: “Este peixe é um robalo. Na realidade «robalo» é o nome vulgar de um género de peixe percídeo do mar, a perca labraz, de carne muito apreciada. Deliciosa esta carne. Quanto mais devagar se pesca, mais delicioso é o robalo. Comemos tanta coisa. Não sabemos quase nada”.

O espetáculo, que será apresentado entre 24 e 26 de maio no Mercado do Rato, em Lisboa, pretende ser uma reflexão “sobre o que vemos todos os dias e nos passa pelas mãos, sobre o que nos entra pelo corpo adentro e desconhecemos. Sobre o que engolimos sem saber: a cauda, o filete, a cabeça e as espinhas; o acontecimento, o padrão/tendência, o sistema em movimento e a meta-estrutura. E a inevitabilidade da confiança”.

Um dos criadores da peça, António Alvarenga, que também responde pela dramaturgia e ideia original, trabalha em Prospetiva, Estudos do Futuro e Planeamento por Cenários, “com ligações (por vezes inesperadas, mas fortes) a outras áreas, com ênfase particular nas artes performativas”. Gosta de correr, diz, e não se furtou às perguntas do Jornal Económico. Quisemos saber porquê o “robalo” para protagonista desta peça; e ainda como se desenvolveu a ideia.

«“Este peixe é um robalo” é um espectáculo sobre o não-saber. Sobre a possibilidade de um não-saber activo que nos permita, literal e provisoriamente, olhar o mundo pela primeira vez. Talvez uma forma de criarmos as condições para “não sabermos”, para sermos “criativos” como uma criança que vê um lápis no céu onde nós vemos um avião, seja escolher num universo desconhecido e mergulhar nele. Daí o robalo. Nós não sabemos nada sobre robalos”, explica António Alvarenga, que contou nesta ‘aventura’ com Cristóvão Cunha, que além de cocriador e intérprete, tem ainda a seu cargo a luz e a direção técnica.

Entre a prospetiva e as artes cénicas

Sendo a prospetiva a área onde se move, tivemos curiosidade em saber se esta se encontra plasmada no texto. E, a ser esse o caso, de que forma. “Gostaria de pensar que a peça alarga o espaço dos possíveis ao ricochetear com a sensibilidade dos espectadores. Mas o futuro só se constrói em relação. Só os espectadores poderão dizer se a peça tem futuros inscritos. É também natural que a dramaturgia deambule pela literacia da Prospetiva e do futuro, principalmente nas suas partes mais ensaísticas”, realça António Alvarenga.

Indagámos, também, sobre as motivações de um economista a trabalhar em Prospetiva, Estudos do Futuro e Planeamento por Cenários para incursões na área do teatro. Sobre se a Economia e a Cultura deveriam falar a mesma “língua” – e como fomentar o diálogo entre estas duas áreas vitais para uma sociedade.

“Não sei bem como responder.  Percebo que possam existir fronteiras, disciplinas. Mas não é assim que olho para o mundo. Olho para um robalo num prato, ou para outro tema qualquer, e, como todos nós, uso analogias, arquétipos para me relacionar com esse tema. Fico feliz quando descubro um tema novo. Com o potencial que um tema novo comporta. E olho, deslumbrado, para o entusiasmo que muitos dedicam a temas que não compreendo. Pode ser a pesca, o bridge, os automóveis, o golfe, o cricket, a equitação ou os comboios”.

E prossegue dizendo que “o tema em concreto não é muito relevante. Essas comunidades misteriosas, para mim que não as compreendo, é que são desafiantes. São espaços de felicidade para muitas pessoas. E essa fonte de felicidade interessa-me. Uma criança não explica porque é feliz a brincar. Uma pessoa apaixonada não explica porque é feliz. Por outro lado, acho o banal – como, por exemplo, comer um robalo – extraordinário. E acho também extraordinária a forma como deixamos de ver a excepcionalidade no banal.

“Este peixe é um robalo” contou, no apoio à coreografia, com João Fiadeiro, performer, investigador e coreógrafo que pertence à geração de coreógrafos surgida no final da década de 1980 e que deu origem à Nova Dança Portuguesa.

Apontamento biográfico sobre os criadores da peça

Tudo indica que o foco de António Alvarenga «é o futuro, mas, na verdade, trabalha sobre o presente, em particular sobre a forma como a experiência e as expectativas se materializam em decisões, e sobre os matizes da interação entre “nós” e o “nosso contexto”». Professor Associado Convidado na Nova SBE, já foi Diretor do Departamento de Estratégias e Análise Económica da Agência Portuguesa para o Ambiente, Relator do Compromisso para o Crescimento Verde do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia.

Cristóvão Cunha licenciou-se em Comunicação Social na Escola Superior de Educação de Viseu e Comunicación Audiovisual em Salamanca. Tem colaborado em desenhos de luz de vários criadores de dança ou teatro como Paulo Ribeiro, Ricardo Vaz Trindade, Madelena Vitorino, Nuno Nunes e Rui Catalão, entre muitos outros. É, desde 2011, diretor técnico e desenhador de luz dos Jardins Efémeros, em Viseu, e integrou o Teatro da Academia (Teatro Universitário) de 1997 a 2001, regressando em 2012 para a comemoração dos 25 anos de vida da instituição, com “Woyzeck”, peça distinguida com o Prémio FATAL2012.

Consulte aqui a programação completa do festival Temps d’Images, que entre 24 de maio e 11 de junho, vai tomar Lisboa de assalto.

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